Por que o empresário preso semana passada é “grande parceiro” da Globo. Por Ruben Berta

Atualizado em 28 de fevereiro de 2018 às 12:01

Publicado no site Intercept Brasil.

POR RUBEN BERTA, jornalista que trabalhou em O Globo de 2000 a 2017. Em 2015, ele preparou por duas semanas uma reportagem de duas páginas a respeito dos gastos de Orlando Diniz com escritórios de advocacia. O texto, segundo ele, nunca saiu.

Orlando Diniz, presidente da Fecomercio, é levado para a sede da Polícia Federal – Paulo Nicolella

Com o Estado do Rio afundando num buraco que parece não ter fim, a Infoglobo – empresa que reúne os jornais O Globo e Extra – resolveu, no início de dezembro do ano passado, entrar em cena com uma iniciativa para pensar em soluções para a crise: a segunda edição do seminário “Reage, Rio!”. Através de debates, a ideia era apontar caminhos em áreas como segurança, cultura e saúde.

Tudo muito bonito, não fosse este mais um capítulo de uma íntima e pouco transparente relação entre o maior conglomerado de mídia do país e o Sistema Fecomércio-RJ, formado pela própria Fecomércio, pelo Sesc e pelo Senac do estado. Só pelo “oferecimento” deste evento, o Sesc-RJ pagou R$ 1,350 milhão. O sistema era gerido à época pelo empresário Orlando Diniz, preso na semana passada pela Polícia Federal, acusado de corrupção.

“Queria fazer um agradecimento especial ao Sistema Fecomércio, ao Sesc, em especial ao seu presidente Orlando Diniz, que está aqui hoje, que é o nosso grande parceiro nessa iniciativa. Muito obrigado, Orlando, por acreditar no projeto [Reage, Rio!]”, disse o diretor-geral da Infoglobo, Frederic Kachar, durante a abertura do seminário.

Ou seja, pouco mais de dois meses depois de ter sido exaltado por um diretor do Grupo Globo pela participação em uma iniciativa para o reerguimento do estado, Diniz foi preso a pedido do Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Lava Jato. Contra ele, pesam suspeitas de lavagem de dinheiro e corrupção. E de ser parceiro da organização criminosa montada pelo ex-governador Sérgio Cabral, tida hoje exatamente como a grande responsável pela quebra do Rio de Janeiro.

Devido à falta de transparência que caracterizou a Fecomércio-RJ durante o longo domínio de Diniz, não há dados precisos, mas, segundo fontes do mercado publicitário, somente em 2017, os gastos com propaganda de Sesc-RJ e Senac-RJ relacionados à Infoglobo chegaram perto da casa de R$ 50 milhões. As entidades não quiseram se manifestar sobre os números.

O vídeo com o registro da fala de Kachar elogiando a “parceria” com o então presdiente da Fecomércio-RJ foi publicado no site do jornal, assim como declarações de Diniz sobre a importância do evento: “Tenho a certeza de que o ‘Reage, Rio!’ veio para ficar”.

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A derrocada de Orlando Diniz, que culminou com sua prisão na semana passada, começou pouco mais de uma semana depois do “Reage, Rio!”. Em 17 de dezembro, o empresário foi afastado de suas funções pelo Superior Tribunal de Justiça. Em sua sentença, o ministro Napoleão Maia já apontava para as investigações decorrentes da Operação Calicute, braço da Lava Jato, cujo primeiro grande personagem a ser preso foi o ex-governador Sérgio Cabral. Para o posto de Diniz, a Confederação Nacional do Comércio nomeou o interventor Luiz Gastão Bittencourt, presidente da Fecomércio-CE.

As denúncias contra Diniz, que se perpetuou no comando do Sistema Fecomércio-RJ por cerca de 20 anos, não são novidade. Em 2014, por exemplo, ele já havia sido afastado do cargo, acusado de utilizar irregularmente os recursos das entidades que administrava. Para se manter no poder, gastou fortunas com advogados, inclusive com o escritório da ex-primeira-dama do Rio, Adriana Ancelmo. Citados agora pelo Ministério Público Federal no pedido de prisão do empresário, esses gastos milionários eram notórios ao menos desde 2015*, mas não ganharam muita atenção do Grupo Globo.

Um caso curioso ocorreu em novembro de 2016, quando Cabral foi preso na Operação Calicute. O jornal O Globo produziu um material detalhado sobre o caso, que incluía um gráfico sobre a “República de Mangaratiba”, apelido dado às diversas casas que pessoas ligadas ao ex-governador tinham num condomínio da Costa Verde fluminense. Na primeira versão publicada no site do jornal, Orlando Diniz aparecia como um dos condôminos. Horas depois, seu nome sumiu do gráfico.

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Agora, em uma reportagem sobre a prisão de Diniz, O Globo voltou a citar a casa do empresário em Mangaratiba, cuja referência consta no pedido de prisão feito pelo Ministério Público Federal.

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Com pouco mais de dois meses à frente do Sistema Fecomércio-RJ, a gestão do interventor Luiz Gastão Bittencourt, presidente da Fecomércio-CE, ainda tenta contabilizar com precisão os gastos realizados por Orlando Diniz.

Os recursos destinados à publicidade dão uma ideia de por que o empresário era tido como um bom parceiro da mídia. Em 2016, foram gastos R$ 55 milhões com eventos. Em 2017, R$ 80 milhões. Já com propaganda, foram R$ 130,9 milhões em 2016 e R$ 124,1 milhões no ano passado – lembrando que quase 40% deste total de 2017 teriam sido destinados apenas para a Infoglobo, de acordo com fontes do mercado publicitário. Os números oficiais detalhados por veículo ainda não foram divulgados.

Os altos gastos com publicidade já haviam sido questionados no ano passado por uma auditoria realizada pelo Senac nacional na entidade fluminense, conforme mostrou The Intercept Brasil. Ao menos na teoria, o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) deveria ter como foco principal de suas ações a educação profissional. Já o Sesc (Serviço Social do Comércio), iniciativas voltadas principalmente para cultura, esporte e saúde.

As entidades do Rio movimentam cerca de R$ 1 bilhão por ano e são geridas pela direção da Fecomércio, que recebe pelo serviço. Os recursos do Sesc e do Senac são considerados públicos: um percentual fixo sobre a folha de pagamento das empresas é recolhido pela Receita Federal e repassado para as entidades.

No Senac-RJ, também foram alvo da auditoria os gastos com palestras de jornalistas, colunistas e comentaristas do Grupo Globo. Em 2016, foram quase R$ 3 milhões. Merval Pereira, por exemplo, levou R$ 375 mil para falar sobre as perspectivas de transição entre os governos Dilma e Temer em uma série de eventos promovidos pela Fecomércio-RJ no interior do estado.

Além do processo na Justiça Federal a que responderá por corrupção, a gestão Orlando Diniz ainda é alvo de um procedimento em andamento no Tribunal de Contas da União desde 2016.

No TCU, estão sob investigação, por exemplo, os gastos com escritórios de advocacia, patrocínios, e com o projeto Segurança Presente, realizado em parceria com o poder público para o patrulhamento de alguns bairros cariocas.

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