Por Leonardo Sakamoto
Enquanto Fernando, que matou um motorista de aplicativo ao bater com seu Porsche a mais de 150 km/h após ter bebido drinks com amigos, está aguardando em liberdade o fim da investigação, Érika, que tentou convencer o cadáver do seu “Tio Paulo” a assinar um empréstimo em uma agência bancária, segue presa, mesmo com histórico de problemas mentais.
As situações são diferentes, os crimes dos quais são acusados também, mas ambos foram casos de forte comoção popular. E é impossível não constatar que a Justiça negou a preventiva do menino rico, filho de empresários, de São Paulo, e aceitou para a mulher moradora do bairro pobre de Bangu, no Rio de Janeiro, apesar de ela ter menos risco de atrapalhar a investigação ou mesmo de fugir.
Érika de Souza Vieira Nunes é investigada pelos crimes de tentativa de furto e vilipêndio de cadáver. Até agora, os peritos não foram capazes de apontar se o ex-motorista de ônibus Paulo Roberto Braga chegou à agência sem vida. Ele tinha problemas de saúde e com álcool.
Advogados criminais com os quais a coluna conversou citaram o barulho produzido pelo caso para explicar a conversão da prisão em flagrante em preventiva e, depois, a sua manutenção por todo esse tempo.
Avaliam que ela poderia responder em liberdade. Primeiro, Érika sofreria de transtornos psicológicos, precisando tomar remédios. Ou seja, há uma questão de necessidade de avaliar se ela compreendia o que estava acontecendo. Segundo, ela tem residência, família e filhos. Poderia ter recebido outra medida cautelar, como uma tornozeleira eletrônica ou prisão domiciliar.
E considerando que há dúvidas se ela estava a par da situação de Paulo, sobra uma acusação de tentativa de furto mediante fraude, um crime patrimonial sem violência. Não estamos tratando, portanto, de uma tentativa de golpe de Estado com invasão às sedes dos três poderes e quebra-quebra.
Talvez se os policiais militares que atenderam a ocorrência em que Fernando Sastre matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana com seu Porsche de R$ 1,3 milhão, na avenida Salim Farah Maluf, tivessem feito o teste do bafômetro ao invés de deixado ele ir embora, uma prisão em flagrante teria ocorrido.
Mas a própria Secretaria de Segurança Pública de São Paulo reconheceu, nesta terça (23), que “houve falha de procedimento dos policiais que atenderam a ocorrência”. Como já disse, as situações são diferentes. Mas a sensação de que o tratamento do poder público depende de quem você é é o que mata, de fato, uma sociedade.
Publicado originalmente em UOL