Por que obras faraônicas não resolvem o problema do abastecimento de água em SP

Atualizado em 2 de março de 2015 às 13:28
A represa Jaguari, que integra o Sistema Cantareira
A represa Jaguari, que integra o Sistema Cantareira

 

Com os reservatórios do Sistema Cantareira definhando a cada dia surgem planos mirabolantes para que os paulistas se livrem do desabastecimento. Todos caríssimos. Enquanto isso, a vegetação que garante vida aos nossos mananciais vai sendo destruída.

Geraldo Alckmin bateu à porta da presidente Dilma com um projeto de abastecimento de água debaixo do braço. Quer tocar oito obras de médio e longo prazo para incrementar a capacidade dos reservatórios em quase 13 metros cúbicos por segundo. Pediu ao Governo Federal nada menos que R$ 3,5 bilhões para tocar esse pacotão de obras hídricas que Alckmin chama de estruturantes. Inclui a interligação de várias represas e a construção de mais reservatórios.

Por outro lado, uma associação de 43 municípios e trinta empresas paulistas conhecida como Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – ou simplesmente Consórcio PCJ – anunciou que pretende investir na dessalinização da água do mar para encher os reservatórios do Sistema Cantareira.

Para trazer água dessalinizada até a região do Cantareira os técnicos do Consórcio PCJ fizeram muitas prospecções. Cinco possibilidades foram analisadas. Chegaram à conclusão de que Bertioga, no litoral paulista, seria o lugar ideal para captá-la e fazer a dessalinização. Trata-se – segundo o consórcio – do caminho mais curto até a cabeceira do rio Piracicaba, de onde a água seria distribuída para todo o Sistema Cantareira. O trajeto total fica em pouco menos de cem quilômetros de adutoras, embora haja um desnível de quase 700 metros a ser vencido. Ali será necessário o bombeamento da água.

De acordo com o Consórcio PCJ esse esquema todo poderá deixar os reservatórios do Cantareira com 80% da sua capacidade, no mínimo. Os outros 20% seriam destinados a uma reserva para abrigar as águas das chuvas.

A empreitada total de dessalinização da água do mar e transporte até o Sistema Cantareira sairá ainda mais caro que o grandioso projeto de Alckmin. Diz uma notícia no site da associação de prefeituras e empresas paulistas: “O Consórcio estima que o projeto como um todo, com a implantação de uma usina de dessalinização em Bertioga (SP) e a construção de adutoras que trariam a água até o Reservatório Jaguari/Jacareí do Cantareira, custaria algo em torno de R$ 6,1 bilhões. Esses números necessitam de estudos de detalhamento técnico financeiro”.

Tudo isso parece apenas remediar o principal motivo pelo qual a região enfrenta a maior seca já vista na história: o desmatamento de florestas nativas e matas ciliares – aquelas que circundam nascentes de rios e mananciais. Em nenhum momento nossos governantes cogitaram a possibilidade de reflorestamento de áreas desmatadas próximas aos rios e reservatórios. Iria sair muito mais barato.

Como se sabe, conservar matas nativas ao redor de bacias hidrográficas é essencial para garantir a perenidade da água, mesmo em períodos de estiagens prolongadas. Primeiro porque as florestas retiram umidade do ar para jogá-la nos mananciais na forma de chuvas. Depois, porque essa vegetação impede o assoreamento dos reservatórios e os deslizamentos de encostas.

De acordo com um estudo elaborado pela ONG Fundação SOS Mata Atlântica a cobertura de floresta nativa da região do Cantareira está pior do que os pesquisadores imaginavam. “Hoje restam apenas 488 quilômetros quadrados (21,5%) de vegetação nativa na bacia hidrográfica e nos 2 270 quilômetros quadrados do conjunto de seis represas que forma o Sistema Cantareira”, informa Marcia Hirota, diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.

O tamanho do estrago é grande: dos mais de cinco mil quilômetros de rios que formam os reservatórios só 23,5% têm mata nativa. Outros 76,5% já não têm mata ciliar, ocupada que está pelo uso humano, principalmente agricultura, pecuária e silvicultura.

Ainda de acordo com o estudo, Minas Gerais é o estado que historicamente mais tem dizimado a Mata Atlântica. Detalhe: Minas abriga as principais nascentes que alimentam a região do Cantareira.

Em resumo: destruímos toda uma rede natural que permite a manutenção dos mananciais. E tentamos fugir do desabastecimento construindo mais reservatórios ou planejando operações megalomaníacas e onerosas de transporte de água dessalinizada a longas distâncias.

O desafio, agora, segundo Marcia Hirota, da SOS Mata Atlântica: “Proteger o que resta da Mata Atlântica e manter, com rigor, o monitoramento e a fiscalização dessas áreas para evitar mais desmatamentos”. O governo bem poderia investir na proteção das florestas nativas. E no reflorestamento também.