“As feministas não permitem que os homens e suas pautas participem do Movimento”, dizem frequentemente, mas o que acontece quando homens são convidados a refletir sobre sua condição de homens?
A Gillette convidou Kim Gehrig, realizadora de anúncios publicitários com o viés do gênero, para produzir este comercial que vem causando muitos problemas à marca.
O sutil slogan “Is this the best a man can get?” — “É isto o melhor que um homem consegue?”, não soou tão sutil assim para as 233 mil pessoas que resolveram boicotar a marca dentro e fora das redes. Foram 233 mil dislikes contra apenas 33 mil likes.
Antes de entrar no mérito das razões pelas quais a maioria dos homens recusa-se com tanta veemência a repensar sua própria masculinidade – uma orquestração milenar e gigante, devo adiantar -, uma ressalva: sabemos que um anúncio publicitário com viés de gênero é a nítida cooptação da pauta pelo capitalismo, mas, que remédio?
Não há maneira de se viver fora do sistema, e se um anúncio publicitário puder também ser educativo, não serei eu a boicotá-lo: me interessa, antes disso, que a mensagem chegue a quem precisa chegar.
O comercial em questão não apresenta um tom agressivo, nem exageradamente militante, nem carregado de chavões gastos: é apenas uma compilação de cenas e diálogos sobre assédio e o sutil convite para que homens pensem sobre isso – o que se tem chamado, acertadamente, de masculinidade tóxica.
O anúncio apresenta cenas de assédio, falas de famosos sobre o tema e o questionamento retórico: “Isso é o melhor que um homem consegue?”
Um slogan inteligente ao passo que desafia sem agredir e que é cirúrgico no ponto que interessa: o que significa “ser homem” e o que isso pode passar a significar, se quisermos?
O convite ao auto-questionamento irritou vários clientes homens – inclusive o jornalista britânico Piers Morgan – que prometeram no Twitter um boicote à marca.
“Deixem os homens serem homens”, diz.
Ora, mas o que significa “ser homem” pra eles?
O comercial tensiona o assédio, a violência e o bullying. Então quer dizer que sem assédio, violência e bullying não é possível “ser homem”? Dizer isto não seria como admitir a existência das masculinidades tóxicas e se recusar a revê-las?
Exatamente.
Pessoas privilegiadas fazem qualquer coisa para defenderem seus privilégios, e é por isso que toda vez que alguém questiona masculinidades – mesmo que sutilmente – milhares de homens levantam-se, revoltam-se, defendem-se (como se estivessem sendo atacados), e, ao fim, boicotam.
A maioria dos homens está tão confortável em seu lugar de privilégios que não considera questioná-lo ainda que saiba que esse questionamento é necessário e inadiável, e que essa discussão continuará por um longo tempo pautada em todos os lugares: internet, grande mídia, universidades, transporte público e anúncios de aparelho de barbear.
É exatamente por isso que a relação entre homens e feminismo é absolutamente complexa: a maneira mais eficaz com a qual um homem bem-intencionado pode colaborar com a discussão de gênero é repensando a própria masculinidade e os próprios privilégios, mas, em vez disso, a maioria só quer mesmo falar mais alto do que as mulheres no próprio movimento de mulheres (é difícil se livrar do vício de falar mais alto sempre).
Boa parte do contingente masculino resistirá por muito tempo em discutir a si mesma. Alguns homens nunca o farão, mas esses ficarão esquecidos e empacados em uma prateleira empoeirada da história do mundo onde muito em breve já não caberão.
Quem não se adaptar não sobreviverá socialmente: a discussão de gênero – finalmente! – é o presente e o futuro.
A resposta da Gillete ao boicote é uma pequena prova disso:
“A partir de hoje, comprometemo-nos a desafiar activamente os estereótipos e expectactivas do que significa ser um homem em todo o lado que se vir Gillette. Nos nossos anúncios, nas imagens que publicámos nas redes sociais, nas palavras que escolheremos e muito mais.”
Vai, planeta!
https://www.youtube.com/watch?v=koPmuEyP3a0