Por Nathalí
Aparentemente os jogos olímpicos de 2021 serão lembrados no futuro como as Olimpíadas das manifestações políticas em campo (quando o mundo inteiro está vivendo uma crise política e sanitária generalizada, não é muito difícil entender o porquê).
Do protesto antirracista das chilenas (viva elas!) e britânicas à recusa a uniformes sexualizados (que começou com as ginastas alemãs e se tornou geral), manifestações de cunho político tem sido tão comuns nessas Olimpíadas que já se tornaram um problema para o Comitê Olímpico Internacional, que, a poucos dias da abertura, mudou as normas sobre posicionamentos políticos durante o evento, sob pretexto de “preservar a neutralidade do esporte e da própria Olimpíada”.
Embora gestos de protesto sejam permitidos em campo e no pódio e não haja punição prevista aos atletas que os fizerem, o presidente do COI, Thomas Bach, fez um alerta aos atletas ao dizer que “O pódio e as cerimônias de medalhas não são feitos… para uma manifestação política ou outra.”
Ledo engano. Todos os lugares são feitos para “uma manifestação política ou outra”. Viver é político e por isso mesmo, não importa o que diga o Comitê, o presidente e os engravatados, haverá manifestação política onde houver seres humanos.
E isso não é, digamos, nenhuma novidade. Nos jogos de 1968, os medalhistas Tommie Smith e John Carlos, respectivamente ouro e bronze nos 200 metros, ergueram o punho cerrado no pódio em referência aos Panteras Negras, um protesto tão silencioso quanto potente contra a segregação racial em voga na época e até hoje, quando atletas negros ainda são alvo de racismo em campo e publicamente.
Não há como esperar que, em pleno século XXI, atletas mulheres sejam sexualizadas enquanto desempenham seu trabalho e se comportem com “neutralidade”.
Depois que as ginastas alemãs passaram a treinar de calças, recusando os collants hiper-sensuais feitos para o voyeurismo masculino, a ideia foi abraçada por atletas de outros esportes e a sexualização das mulheres nas Olimpíadas tornou-se uma pauta geral. As jogadoras norueguesas se recusaram a usar biquíni durante uma partida e pagaram mais de nove mil em multa (o famigerado dá ou desce).
Carol Solberg, jogadora de vôlei de praia, disse em entrevista já ter sido fotografada, enquanto jogava, em posições de conotação sexual. Já Magic Paula, do basquete, relembra que era obrigada a usar macacões apertados que não eram confortáveis para o esporte (mas eram muito bem-vindos à diversão inofensiva do cidadão de bem).
Não é novidade que os uniformes femininos são hiperssexualizados porque mulheres – adivinhem – são hiperssexualizadas em todos os lugares.
O que talvez seja novidade para alguns – não pra mim – é que essa estrutura que faz com que mulheres sejam obrigadas a mostrarem seus corpos e servirem um “entretenimento” doentio aos espectadores homens não é sustentada apenas pelo conservadorismo.
Você, progressista de carteirinha, também adora uma bunda de bobeira nos jogos de vôlei. A gente sabe. Você grita “Fora Bolsonaro” na janela e acha que está reinventando a roda por recusar um nazifascista no poder, mas talvez você ache uma bobagem essa coisa de discutir uniforme de olimpíada, “agora tudo é isso de sexualização”, etcetera e tal.
O que você certamente não entende é que não se derrota uma onda conservadora a nível global sem encarar questões estruturais como a violência de gênero – sim, sexualizar mulheres que estão apenas tentando fazer seu trabalho e puni-las caso se recusem a serem objetificadas é uma violência, se é preciso reafirmar o óbvio.
Protestos contra sexualização nos jogos olímpicos deveriam ser obsoletos, e não são por um motivo: a sociedade, de modo geral, ainda aceita de bom grado que mulheres tenham seus corpos mercantilizados em eventos esportivos.
Não é só o seu tio bolsominion: assim como conservadores e progressistas consomem pornografia – mesmo sendo a indústria pornográfica responsável por adoecer e matar milhões de mulheres todos os anos ao redor do mundo – também não é uma particularidade do tiozão conservador curtir umas gatinhas de biquíni nos jogos olímpicos.
De bolsominions a esquerdomachos, do Oiapoque ao Chuí, o pacto patriarcal de hiperssexualização feminina é indissolúvel – e a gente sabe. É por isso que os uniformes das atletas ainda são – vergonhosamente – como são, e só deixarão de ser na base do protesto coletivo (já não era sem tempo).
Haja multa e textão até que as mulheres possam ser livres em seus pódios.