Woody Allen – A Documentary, de Robert B. Weide é, na verdade, uma versão reduzida de um programa em duas partes produzido para a TV pública americana. (Você pode ver o trailer no pé deste artigo.) Weide é diretor de Curb Your Enthusiasm, a atração da HBO estrelada pelo pateticamente incrível Larry David. Obra de fã, Weide cuida para que seu personagem seja incensado por todos os diretores e atores que deram depoimento – de Martin Scorsese ao comediante Chris Rock, passando por Scarlett Johansson, Diane Keaton etc. Mas ele não deixa de lado assuntos espinhosos como o divórcio de Mia Farrow, quando ela descobriu que o marido estava tendo um caso com sua enteada Soon-Yi, então com 20 anos. Mia descobriu o affair quando os dois filmavam Hannah e Suas Irmãs. A pedido do produtor, Mia terminou o trabalho – e a cena em que o personagem de Allen e o dela tentam reatar um casamento em frangalhos é devastadoramente real.
Aos 75 anos, ele continua produtivo, inquieto, batucando roteiros em sua máquina de escrever de 40 anos, fazendo filmes que tentam responder à mesma pergunta irrespondível que ele se fez aos 5 anos: quer dizer que vamos morrer? Qual o sentido da vida? Em suas comédias ligeiras e tragédias, é isso o que fica. Ele aparece em sua casa, nos bastidores de filmagens, sempre com seu inconfundível uniforme de nova-iorquino, praticando um de seus esportes preferidos: falando mal de si mesmo. É o maior desmistificador de sua própria arte. “Eu filmo e depois vou para a sessão de tortura: a edição, tentando organizar o caos”. Por que ele faz tantos filmes? Por uma questão prática: “Um deles eu acerto”. Seu último grande filme é Match Point, um thriller com alguma inspiração em Crime e Castigo, de Doistoievsky. Allen é uma espécie de Caetano Veloso ao contrário: enquanto o baiano é auto congratulatório e considera tudo o que faz tão importante quanto a descoberta da partícula de Deus, Allen se acha mediano e esforçado. Sua grande preocupação, quando está filmando, é terminar rapidamente para poder assistir ao jogo dos New York Knicks, seu time de basquete, ou tocar clarineta. Numa cena, o ator Josh Brolin aparece angustiado (ah, como são angustiados os atores, especialmente os maus) em Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, perguntando se sua entonação estava correta, se a intenção era a certa etc etc. “Olha, eu acho que está ótimo. Você que sabe, mas, por mim, está perfeito”. Claro. Ele quer ir para casa.
Da próxima vez em que você ouvir um artista falando de si na terceira pessoa, “explicando” sua filosofia com a solenidade de um enviado dos deuses (alô, Wagner Moura?), lembre-se do maior cineasta americano de hoje: “Eu só quero terminar logo”.