Por uma Comissão da Verdade sobre a Lava Jato. Por Jeferson Miola

Atualizado em 9 de junho de 2023 às 13:02
Print do artigo de Émile Zola sobre o caso Dreyfus, em 1888. Reprodução

Respondendo a uma pergunta do apresentador Gustavo Conde em programa de entrevista do portal Brasil 247 [8/6], discordei da hipótese de se instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as graves denúncias sobre a Lava Jato.

Não porque a CPI não poderia eventualmente cumprir um papel relevante na elucidação desse escândalo que manchou o judiciário e o sistema político brasileiro, mas porque a Comissão Parlamentar pode ser contraproducente devido ao risco de espetacularização das investigações.

Além disso, e mais importante, porque é que é preciso ir além no encontro de contas com a verdade; trata-se de um imperativo histórico de outra natureza. É preciso avançarmos na perspectiva de um processo de memória, verdade, justiça e reparação.

Para isso, é necessário que o governo, o Congresso e o Judiciário entrem em consenso sobre a instalação de uma Comissão da Verdade sobre a Lava Jato, conforme traduziu um arguto expectador da entrevista referida acima quando defendi a ideia de ir-se além da CPI e das investigações policiais e processos judiciais já em andamento ou por serem instauradas.

A apuração plena desse que é o maior escândalo de corrupção judicial da história, como caracterizou a mídia internacional, é crucial para a reconstrução da democracia brasileira.

A Comissão da Verdade poderá examinar em profundidade o que aconteceu, com serenidade e imparcialidade dos seus integrantes e especialistas, para produzir os resultados necessários.

As revelações sobre as imundícies da Lava Jato cobram da justiça e da democracia brasileiras muito mais que processos penais para responsabilizar os culpados e obrigá-los às reparações pelos danos causados, o que em si mesmo será muito relevante, se de fato acontecer.

Apesar de disfarçada como uma força-tarefa nacional “exclusiva” do compromisso e do combate “heróico” contra a corrupção, e fortemente incensada pela mídia hegemônica, empresariado, políticos e militares, na realidade a Lava Jato foi um empreendimento criminoso, organizado em moldes semelhantes aos de gangues mafiosas.

A brutalidade da Lava Jato contra aqueles que eram seus alvos centrais – o presidente Lula e o PT –, tem equivalência histórica com o famoso caso Dreyfus, em que o fascismo judicial francês no final do século 19 procedeu a uma condenação ilegal, criminosa e descaradamente mentirosa daquele capitão de ascendência judaica do Exército francês.

Aquele fascismo judicial, combatido no manifesto Eu Acuso, do escritor Émile Zola, serviu de base para os estudos posteriores de Hannah Arend sobre o nazismo, que originaram a notável obra As origens do totalitarismo.

A Lava Jato desperta interesse mundial. Em grande medida porque estabeleceu conexões internacionais, sobretudo na América Latina, para proliferar o lawfare como arma política e ideológica da extrema-direita em inúmeros países.

Procuradores da Lava Jato
Procuradores da Lava Jato.
Foto: Reprodução

Mas não só por isso; mas também porque é um modelo a ser combatido em todos os cantos do planeta, pois o fascismo judicial ameaça de morte as democracias e os Estados de Direito.

A gangue de Curitiba corrompeu o sistema de justiça, destroçou a economia nacional, criou sequelas dolorosas no tecido social brasileiro e influenciou decisivamente os rumos trágicos que o país tomou nos últimos anos, que culminaram com o ascenso do fascismo e dos militares ao poder.

Aquela estrutura que Gilmar Mendes caracterizou como uma “organização criminosa”, era o epicentro de uma engrenagem mais abrangente, que implicava inclusive governo estrangeiro, como é o caso dos EUA, que operou por meio dos seus Departamentos de Estado e de Justiça.

É urgente e inadiável, portanto, passarmos a limpo tudo o que aconteceu nesses tenebrosos anos de ação nefasta daquela gangue.

O Brasil ainda precisará de muitos anos – senão de décadas – para se recuperar da tragédia, da destruição e da barbárie legadas pela Lava Jato.

A instalação da Comissão da Verdade sobre a Lava Jato é um imperativo ético, histórico e democrático da luta antifascista, para que o Brasil possa se reconciliar, reconstruir sua democracia e seu sistema de justiça e finalmente se encontrar com a memória, a verdade, a justiça e a reparação.

Para, enfim, “que não se esqueça; para que nunca mais aconteça”.

Publicado originalmente no blog do autor

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