Vou economizar o nosso tempo – o seu, caro leitor (a), e o meu – e não darei explicações sobre o porquê de estar escrevendo agora sobre uma influencer que eu não acompanho, talvez sobre um assunto que não lhes interesse, porque a briga entre ela e Fábio Porchat vai além de qualquer futilidade, e sobretudo porque é possível ler livros e saber quem é Gkay – respirem, essa coisa de “saia do computador e vá ler um livro” é meio 2014 – vou, portanto, ignorar qualquer comentário clichê como “e quem é Gkay”?
Dito isto, vamos aos fatos: Porchat falou, no seu próprio programa, que Jô Soares preferiu morrer a entrevistar a GKay. A mulher, é claro, postou que se sentia mal em ser piada o tempo todo, num desabafo para os fãs no Twitter.
O que esperávamos diante disso?
Um pedido de desculpas, no mínimo.
O que Porchat fez?
Um vídeo relembrando de quando ele mesmo foi zoado por uma piada ruim, e dizendo basicamente que a influencer não tinha o direito de se ofender, porque “todo comediante um dia vira piada”.
Ele explicou ainda que só fez a piada porque “Gkay deu uma entrevista horrível no programa da Tata Wernek”.
Como se não bastasse, massacrou ainda mais a coitada: disse que ela fizera um filme ruim e que já vinha sendo criticada há muito tempo. Só faltou chamar a mulher de vitimista – e chamou, embora com outras palavras.
Pois bem, fui ver a entrevista, e o que vi não foi apenas uma “entrevista horrível”, foi o retrato de uma mulher já descompensada, precisando de ajuda, e não de piada.
Quando digo que tenho compaixão pelas pessoas ricas e poderosas demais, pouca gente entende. Entre os meus leitores, provavelmente alguém entenderá – e se não entender, basta olhar pra Gkay.
Uma mulher que tem tudo e ainda assim faz tudo por atenção. Uma mulher com um quê visível de loucura, que certamente não sabe se está sozinha ou não, que chegou à exaustão diante de uma vida pública que ela mesma escolheu – que, enfim, como ela disse, “estava cansada de ser piada.”
Tudo bem, Porchat, a gente entende que os comediantes são “zoeiros”. A gente entende que não foi SÓ a sua piada que acabou com o natal da Gkay.
Mas e daí?
Tanta gente pra bater e você bate em alguém que já está no chão? Isso deveria ser proibido no código de ética dos comediantes.
Bate na Zambelli. Bate na familícia. Em um Brasil devastado pelo bolsonarismo, o que não falta é gente pra bater. Gente que, ao menos, ainda está de pé.
O vídeo do Porchat tentando se explicar foi muito pior do que a piada. Colocou o alvo de sua crueldade em uma posição de vitimismo, e, sobretudo, de completo fracasso. É como dizer: eu fiz uma piada que te machucou porque você é tão ridícula a ponto de merecer isso, logo, “não vou pedir desculpas por uma bobagem dessas”.
O que vejo em Gkay não é uma mulher ridícula – é uma mulher perdida em meio aos holofotes. Alguém que vive num mundo de influencers tão tosco e fútil que faz desaparecer qualquer resquício de humanidade das pessoas, alguém que se perdeu no próprio personagem.
Isso me gera compaixão. Deveria gerar ao menos qualquer comoção no Porchat – que fez a piada e emendou um vídeo humilhando ainda mais a influencer -, mas não. Pensando apenas em si mesmo, ele justificou a piada, sem retirá-la. Aí reside sua falta de humanidade e de humildade.
Enxergar a dor do outro e fazer piada disso é, sim, desumano. E quem quer que tenha assistido a entrevista à qual Porchat se referiu, percebeu a dor de Gkay.
Não romantizo a pobreza, mas estou certa – muito certa – de que dinheiro demais, fama demais e poder demais enlouquecem.
Gkay está, como Narcisa Tamborindeguy, enlouquecendo diante das câmeras. As pessoas que vivenciam esse mundo, de modo geral, parecem estar enlouquecendo.
Você não faz uma piada de alguém que está enlouquecendo diante das câmeras – se você for minimamente humano, você sente alguma compaixão.
Então, não, o problema não é ter feito piada com a morte de Jô Soares, nem ter “estragado o natal” de Gkay por causa de uma piada. O problema é ter chutado cachorro morto.
Chutar quem já está no chão não é engraçado – e quem me ensinou isso foi outro Porta dos Fundos, de quem sou fã, Gregorio Duvivier.
E não é porque a GKay é milionária que é OK fazer piada com ela no final de um ano particularmente difícil. Como o próprio Porchat disse, ela teve um ano difícil, um ano de muitos fracassos – fora os fracassos íntimos que ninguém conhece – logo, bater nela é bater pra baixo.
Além de cruel, não é engraçado.
Mas parece que, pro Porchat, é mais importante justificar uma piada do que ter que pedir desculpas.
Fábio Porchat dizendo que o Jô Soares preferiu morrer para não ter que entrevistar a Gkay. ?️ #MelhoresDoAno pic.twitter.com/9nsrJ0H9dj
— CHOQUEI (@choquei) December 25, 2022
É sobre isso, Ronnie! pic.twitter.com/Xo6CwEvhQT
— Fabio Porchat (@FabioPorchat) December 27, 2022