Ailton Silva teria alertado o doleiro Alberto Youssef de que possivelmente teria uma escuta em sua cela. Ailton estava preso na mesma carceragem onde os primeiros detidos da Operação Lava Jato estavam sendo mantidos pela Polícia Federal (PF) em Curitiba, em 2014, incluindo Youssef. Com informações da CNN Brasil.
Silva é médico veterinário e, à época, era suspeito de tráfico de drogas. Nos áudios, ele diz que viu o processo de preparação das celas para os novos presos e a instalação da suposta escuta por um agente policial.
Também à época, foi aberta uma sindicância, na qual Silva pontuou que contou o que viu, confirmado em documentação da própria PF e, em seguida, foi forçado a mudar de versão. A sindicância da polícia terminou sem responsabilizar os agentes envolvidos no caso.
Os relatos do veterinário foram obtidos através de áudios onde ele relata o episódio. O material foi protocolado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em processo herdado pelo ministro Dias Toffoli, que questiona os processos da Lava Jato e propõe revisões.
À CNN, o advogado de Ailton Silva ressaltou que seu cliente se sentiu coagido pelos agentes a mudar de depoimento. Além disso, em outro trecho da gravação, o médico afirmou que foi transferido após ter realizado o depoimento que mais tarde culminaria em denúncia.
Confira o relato de Ailton Silva na íntegra a seguir:
“Quando eu estava na carceragem da Polícia Federal, no mês de março de 2014, foi deflagrada a Operação Lava Jato. E até então a gente não sabia o porquê, lá não tinha informação de televisão, de rádio, de nada. E as celas foram todas esvaziadas, e os presos que estavam lá foram todos transferidos para outros presídios”, relata.
“Aí esvaziaram todas as celas, checaram todas as celas, isso os agentes federais, e a gente ficou no pátio, no fundo das celas, que tinham acesso para um portão. E aí eu vi a movimentação de três agentes que estavam lá. Os carcereiros, que na verdade eram guardas municipais e dois policias federais.”
“E eles subiram as grades para tentar acessar as celas por cima. E aí eles não conseguiam, porque tinha um cadeado e tiveram que quebrar o cadeado. Demorou um tempinho. E eu fiquei num lugar que eles não estavam me vendo, e eu fiquei observando o que estava acontecendo.”
“Curioso, né? E aí eu vi que eles quebraram o cadeado quando conseguiram subir, e eu vi que um dos policiais federais subiu com alguma coisa de volume na mão, cuidando daquilo lá para não cair. Ele demorou um tempo lá em cima, tipo uns 10 minutinhos (sic), depois voltou, e já voltou sem esse material.”
“Aí, passado alguns dias, já tinha naquele mesmo dia, começou a chegar os presos da Lava Jato (sic). E passado alguns dias eu criei um vínculo com o pessoal, depois de uns dois dias já estava conversando com eles ali que a gente ficava solto.”
“As celas, umas grudadas com as outras, e eu peguei conversando com o Youssef. Eu falei: ‘Youssef, vocês tão ficando acordado (sic) à noite, estão falando alto e tem um silêncio muito grande à noite. Não ouve barulho de nada e aí dá para ouvir tudo que vocês estão falando lá. Só que um policial federal subiu e colocou uma escuta na cela em cima de vocês ali, não sei em qual cela tá, mas tá em cima de alguma cela de vocês’.”
“Aí fechou as celas e no outro dia seguinte eu já fiquei sabendo que o Youssef tinha achado a escuta, e que naquele mesmo dia ele tinha recebido a visita do advogado dele, e ele tinha levado a escuta escondida na cintura para o parlatório. Aí ele pegou, mostrou a escuta para o advogado, o advogado estava com o celular e, através do acrílico, o advogado tirou a foto. E naquela mesma semana começou saindo já as reportagens.”
“Aí, na primeira vez que eu fui ouvido, o delegado perguntou para mim e eu confirmei tudo conforme foi, e perguntou para mim se eu tinha como confirmar o policial federal que tinha subido na cela e colocado a escuta. E eu não sabia o nome, na verdade”, continua Ailton Silva.
“Aí ele perguntou para mim se eu poderia confirmar por foto. Eu falei: “Se eu ver a foto, eu confirmo”. Aí ele demorou um tempo, ele com outro policial federal, foi lá e montou tipo assim um croqui, um organograma de fotos de Polícia Federal, mas sem nome, sem nada, só as fotos, fotos bem nítidas, ele colocou 12 fotos, se não me engano, várias fotos.”
“E eu, como vi o policial federal, sem dúvida nenhuma eu reconheci o policial federal que colocou a escuta. Na hora que eu identifiquei o policial, o próprio delegado falou: ‘É ele mesmo’. Confirmou com exatidão: ‘É ele mesmo’. E ainda sorriu, com a maior vontade de ferrar os caras. E aí mandou eu assinar lá, assinei meu depoimento, assinei o reconhecimento do policial e aí me mandou embora já.”
“Passado algum tempo, fui levado de novo lá na superintendência da Polícia Federal e novamente pediram para eu identificar, se era isso mesmo, confirmar o que eu tinha falado, eu confirmei com exatidão, daí já era outro delegado. Aí nessa vez que eu fui, foi a surpresa.”
“Eu entrei dentro (sic) da sala para ser ouvido novamente. Tinha um policial federal, um escrivão que estava no computador e o delegado. E o delegado começou a conversar comigo e pediu para eu confirmar o que tinha falado, e eu confirmei. Aí esse delegado pediu para todos desligarem o telefone, desligarem o computador, desligarem tudo o que era eletrônico e que estava dentro da sala”.
“E aí ele falou assim: ‘Ailton, vamos conversar. Primeiro, você está usando de má-fé, está tendo algum engano, porque o policial federal que você acusou, ele estava de folga no dia que você falou que ele colocou a escuta’. Estão ali eu já vi que estava a sacanagem, que estava ferrado.”
“Aí eles pegaram e falaram assim: ‘Você quer mesmo prejudicar a Polícia Federal? Prejudicar o nome da Polícia Federal? Você sabe a encrenca que você está entrando? Você sabe o que pode causar isso para você?’ Foi uma ameaça. Eu me senti ameaçado na hora e vi que estava ferrado.”
“Aí ele falou assim para mim: ‘Olha…’ — entrou um advogado nesse momento lá — ‘Olha, esse aqui é o advogado do Youssef’. Eu não sei se era advogado ou não do Youssef. ‘O Youssef já fez um acordo com nós para a gente interromper essa sindicância, vai ser interrompido, seu nome não vai aparecer mais, não vai aparecer mais nenhum documento de declaração sua nos autos, não vai aparecer mais nada. Só vai aparecer o que a gente for falar agora, a partir de agora, se você está disposto a nos ajudar, vai sair agora.”
“Aí eu entendi a ameaça e falei assim: ‘Não, eu não sei do que o senhor tá falando, eu não dei depoimento, eu não fiz reconhecimento, eu não fiz nada’. Ele falou: ‘Tá bom então, então você vai falar da seguinte forma que eu vou te dizer agora’. E ele pediu para eu falar o seguinte: que eu estava numa situação muito difícil, que eu estava alterado psicologicamente, psiquiatricamente, que a cabeça toda… que eu não vi nada, que eu me enganei, sobre a identificação do policial que colocou a escuta, e assim foi feito.”
“Conforme ele terminou de falar, ele mandou ligar os computadores, o escrivão ligou, ligaram os celulares, ligaram tudo, e eu dei o depoimento dessa forma”, finaliza.