No dia 11 de abril deste ano, por volta das 19h50, um metalúrgico desempregado que não terá seu nome publicado entrou em uma das lojas da rede Paulista Supermercados, no município de São Joaquim da Barra (SP), no noroeste do estado, a 396 quilômetros da capital.
Segundo disse depois à polícia uma funcionária do estabelecimento, já há alguns dias aquele homem entrava lá, namorava os produtos nas prateleitas, saía sem levar nada.
Naquele dia 11, ela desconfiou que o homem tinha pego algum produto no corredor frigorífico. Assim que o metalúrgico deixou a loja (um dos dez pontos de venda da rede, que tem presença em sete cidades do interior de São Paulo), a empregada do Paulista chamou a polícia.
Os policiais militares foram rápidos. Entre serem acionados, deslocarem-se até o local do crime, saírem em perseguição ao meliante, efetuarem sua prisão, colocarem as devidas algemas, retornarem ao Paulista e restituírem a res furtiva a seus devidos proprietários, levaram só dez minutos.
Assim consta em boletim de ocorrência e depoimentos lavrados na mesma data na rua Bahia 1.301, na Central de Polícia Judiciária de São Joaquim da Barra, São Paulo, cujos seguintes trechos são reproduzidos abaixo, com destaques inseridos pela reportagem do DCM:
“Em suas declarações, a representante da vítima disse que trabalha no Supermercado Paulista há aproximadamente 2 anos. Informou que, há alguns dias, o indiciado tem frequentado o Supermercado e sempre no mesmo horário. Na data de hoje, por volta das 19h50min, o capturado ingressou e saiu do mercado em atitudes suspeitas e, por isso, começaram a monitorá-lo pelo circuito de segurança.
Após subtrair uma peça de carne e sair do mercado, os policiais militares foram acionados. Por volta das 20h, tomaram conhecimento de que o indiciado havia sido capturado. Neste ato, foi-lhe devolvido (sic) a peça de carne.
A situação flagrancial encontra-se delineada, tendo em vista ter sido perseguido, por policiais militares logo após subtrair, para si, 1 (uma) peça de filé, marca Mondelli, de propriedade do Supermercado Paulista.
Com efeito, a sequência cronológica dos fatos demonstram a ocorrência da hipótese de prisão em flagrante denominada pela doutrina e jurisprudência de flagrante impróprio, ou quase-flagrante.
Hipótese em que a polícia foi acionada e, logo após a prática, em tese, do delito, saindo no encalço do investigado, logrando êxito em capturá-lo, na posse do objeto subtraído. Foi necessário o uso de algemas por receio de fuga. Foi concedida liberdade provisória com fiança ao indiciado.
Fixei a fiança em R$ 1.320,00 (mil e trezentos e vinte reais). CONTUDO, NÃO FOI APRESENTADO O VALOR DA FIANÇA ARBITRADA.
GUSTAVO DE ALMEIDA COSTA
Delegado de Polícia”
Assim, tendo acabado de furtar uma peça de carne, o metalúrgico desempregado informou ao delegado que não teria como pagar a fiança. Por isso, ficou na cadeia, aguardando melhor apreciação da Justiça.
No mesmo dia em que chegou à custódia dos policiais, o metalúrgico foi submetido a um exame de lesão corporal cautelar. Os policiais convidaram o meliante a autorizar que fossem feitas fotografias de seu corpo inteiro, sem roupa. Ele achou por bem aceitar e assinou o termo abaixo. O nome e a assinatura do réu foram retirados pela reportagem antes da publicação.
Tão veloz e diligente quanto os policias foi o Ministério Público do Estado de São Paulo. Já no dia seguinte ao crime impedido pelas autoridades, o promotor de Justiça Ilo W. Marinho G. Júnior protocolou um pedido para que a prisão em flagrante do metalúrgico desempregado fosse convertida em prisão preventiva, para que assim pudesse o réu não mais voltar ao convívio em sociedade até o curso final do processo ou eventual cumprimento de pena resultante da ação penal. Veja, abaixo, trechos do documento.
O pedido do promotor, entretanto, foi recusado. Coube ao juiz Renê José Abrahão Strang, na audiência de custódia, explicar ao representante do Ministério Público alguns conceitos basilares do Direito Penal, tais como o Princípio da Insignificância e o descabimento de se manter em prisão preventiva alguém que é acusado de um crime que não obriga o regime fechado de prisão em caso de condenação. Leia trechos abaixo:
“Não foram apresentados elementos fáticos aptos a fundamentarem o decreto de manutenção da custódia preventiva.
O autuado possui residência fixa e não oferece risco à instrução processual. Sem prejuízo, levando-se em conta o valor do bem subtraído e as circunstâncias em que o delito foi supostamente praticado, é bastante provável a aplicação do princípio da insignificância, o que levaria à atipicidade da conduta.
Ademais, em caso de eventual condenação, é improvável a fixação de regime fechado para início de cumprimento da pena, o que desautoriza a custódia preventiva do increpado.
Por fim, a mera gravidade em abstrato da conduta imputada ao autor do fato não se mostra suficient epara ensejar sua segregação cautelar. Ante o exposto, concedo a liberdade provisória ao(à)autuado(a) com aplicação de medida cautelar diversa da prisão consistente no comparecimento mensal em juízo a fim de informar e justificar suas atividades.”
Assim, está livre da cadeia, o metalúrgico desempregado, hoje em dia. Mensalmente ele vai ao Foro e relata suas atividades. No dia 10 de maio deste ano, menos de um mês após seu crime de tomar uma peça de carne do Paulista Supermercados, ele foi denunciado à Justiça pelo MP-SP, por furto, com pena prevista de até quatro anos de prisão. No mesmo dia 10, a Justiça acatou a denúncia, tornando réu o metalúrgico. A instrução processual já está em andamento, com oitivas de testemunhas marcadas para o mês que vem.
Como se nota, o presente caso desafia o ditado “a Justiça tarda, mas não falha”. Tardando, ela não está.