PUBLICADO NA PONTE
POR CAÊ VASCONCELOS
O violoncelista Luiz Carlos Justino, 23 anos, passou os últimos 12 anos de sua vida na Orquestra de Cordas da Grota, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. Na quarta-feira (02/09), após se apresentar nas barcas, parou com mais dois colegas para tomar algo em uma padaria. Foi abordado pela polícia por “desconfiança” e preso por um roubo que aconteceu em 2017.
Luiz foi acusado de um roubo de celular que aconteceu em 5 de novembro de 2017, por volta das 8h30, na Avenida Nelson de Oliveira e Silva, no bairro Vila Progresso, em Niterói. A vítima afirmou que foi abordada por três pessoas e reconheceu apenas Luiz na delegacia. Mas, no dia e horário do roubo, o músico se apresentava no Café Musical, a 7 km do local do crime, onde foi contratado junto da Orquestra das Grota para tocar todos os finais de semana de 2017 a 2019.
Os advogados Renan Gomes e Sônia Ferreira Soares, ambos da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Rio de Janeiro, passaram os últimos quatro dias levantando informações para solicitar a revogação da prisão de Luiz.
Em entrevista à Ponte, Sônia explicou que foram adicionados aos autos do processo um vídeo e um documento da Orquestra que provam que Luiz estava se apresentando no dia e horário do crime.
Neste sábado (05/09), o juiz André Luiz Nicolitt revogou a prisão preventiva de Luiz, determinando a soltura do jovem. Para Nicolitt, causa perplexidade “como a foto de alguém primário, de bons antecedentes, sem qualquer passagem policial vai integrar álbuns de fotografias em sede policial como suspeito”.
O juiz também questionou os motivos de “um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria ‘desconfiança’ para constar em um álbum?” e como essa foto foi parar no procedimento.
Na decisão, o juiz aponta que “o reconhecimento fotográfico é colocado em causa em função de sua grande possibilidade de erro” já que “a psicologia aplicada tem se empenhado em investigar fatores psicológicos que comprometem a produção da memória”.
Luiz foi solto na manhã deste domingo (06/09) por volta das 12h. Os advogados informaram que ele não concederia entrevistas no momento porque “está com a mesma roupa desde quarta-feira” e precisa descansar.
A decisão para prender Luiz foi expedida em 28 de novembro de 2017 pela juíza Fernanda Magalhães Freitas Patuzzo, que afirmou que a prisão era necessária para garantir a tranquilidade da vítima, e o mandado de prisão foi cumprido pelo delegado Leonardo Borges Mendes.
Em entrevista à Ponte, o maestro Paulo de Tarso, presidente da Orquestra de Cordas da Grota, confirmou que Luiz estava em uma apresentação no momento da prisão. Tarso também apontou que, em 25 anos de Orquestra, os mil membros da entidade musical, entre meninos e meninas, “nunca tiveram com passagem criminal”, inclusive o Luiz.
“Ele e os primos tinham contrato para tocar todos os fins de semana de 2017, 2018 e 2019. Eles fizeram muito sucesso, até que a padaria fechou porque não tinha muito lucro fora do café da manhã e foram para um shopping de rico com restrição para a música”.
No dia da prisão, explica Tarso, Luiz foi o único levado para a delegacia. “A polícia ficou esperando eles saírem do bar e os abordaram. [Os policiais] Disseram que cumpriam seu dever porque tinham ‘elementos com atitude suspeita’ e foram feitas revistas. Atitude suspeita de indivíduo com violoncelo e violino é ou fome ou estar com o dedo doendo de tanto tocar”, critica Tarso.
“Isso é posicionamento racista. Só o Luiz foi levado para a delegacia e na averiguação viram que tinha esse mandado contra ele. A cadeia é um navio negreiro, que não aprisiona pessoas brancas, só meninos como ele [negros]”, protestou.
Tarso conta que Luiz faz parte da Orquestra de Cordas da Grota desde 2008 e tem uma família de musicistas: um tio e dois primos são fundadores do projeto e a tia era cantora de samba. “É um menino cheio de sonhos na cabeça, ele quer ganhar o mundo com o talento dele. Ele pega as coisas muito rápidas, é inteligente e tem um ambiente familiar bom para isso. Quando não está tocando, a paixão dele é o Flamengo”, brinca.
O maestro também criticou o reconhecimento da prisão de Luiz. “A foto não deveria ser uma prova essencial e decisiva. Tudo errado, ele foi preso três anos depois, ele tem endereço fixo, ele tem trabalho fixo e nunca foi procurado”.
“O oficial [de Justiça] disse que ele morava em local de risco. Ora, se mora em local de risco, liga. Ele tem o mesmo número de telefone há anos. Liga e avisa que está notificando. Mas não responder dessa forma. Luiz foi pego assim como outros meninos: por ser negro e pobre. Eles são uma série de cartas marcadas”, aponta.