Privatizações descabidas: precisamos continuar vigilantes ao que é do Brasil. Por Sergio Takemoto

Atualizado em 18 de novembro de 2020 às 20:24
Privatização

Passado o primeiro turno das eleições municipais, deputados e senadores começam a retornar para Brasília e devem pressionar o Congresso e o governo para o andamento de pautas que ficaram paradas nas últimas semanas. No radar do Legislativo e do Executivo estão não só a definição do orçamento da União para 2021 e as reformas fiscal e administrativa como também a privatização de empresas públicas centenárias e essenciais à população brasileira, como é o caso da Caixa Econômica Federal e dos Correios. O argumento de “fazer caixa” com a venda destes patrimônios públicos para “salvar a economia”, como sabemos, não se sustenta.

A marca de 105 milhões de poupanças digitais abertas pela Caixa é mais uma mostra do papel social da instituição e do esforço dos empregados do banco, responsável pelo pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios para mais de 100 milhões de pessoas — o que equivale à metade da população brasileira. O banco também está na linha de frente da concessão de crédito para diferentes perfis de empreendedores, duramente afetados pela crise econômica provocada pela pandemia da covid-19.

Mais do que em nenhum outro momento, a conjuntura e a relevância da Caixa Econômica para o país comprovam que o caminho não é vender este patrimônio. Ao contrário! É preciso fortalecer a estatal e melhorar ainda mais o suporte à população.

Lembremos do exemplo de 2008 e do papel decisivo dos bancos públicos brasileiros na superação daquela crise. Naquela ocasião, Caixa, Banco do Brasil e BNDES foram determinados a dar fluidez à concessão de crédito com juros diferenciados e sem entraves burocráticos.

Contudo, na contramão da lógica, o atual governo tem se mostrado irredutível em sua agenda privatista. Não toma como lição nem mesmo o apagão que deixou a população do Amapá no escuro. O estado ainda vive o dilema de rodízio de energia elétrica. Como a empresa privada não tem capacidade de resolver o problema, quem vem tentando corrigir os erros é a Eletrobras, que o governo também insiste em privatizar.

No caso da Caixa, a intenção é fatiá-la e privatizá-la por segmentos, até que a empresa deixe de ser um banco público rentável, competitivo e a serviço dos brasileiros. A Medida Provisória 995, assinada por Bolsonaro em agosto e prorrogada para ter validade até o próximo mês de dezembro, foi editada exatamente para isso: vender a Caixa Econômica Federal aos pedaços, de forma disfarçada.

Depois de insistir na venda da Caixa Seguradora e ter que recuar com a alegação de “atual conjuntura do mercado” e “muita volatividade”, a área econômica do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes, voltou a defender a privatização de partes da estatal. Desta vez, com a abertura de capital (o chamado IPO — Oferta Pública Inicial de ações, na sigla em inglês), “nos próximos seis meses”, do Banco Digital — estrutura criada para o pagamento do auxílio e do FGTS Emergencial.

A (futura) subsidiária sequer existe. Porém, a estratégia do governo é cristalina: criar e posteriormente vender este braço da Caixa para o enfraquecimento da estatal e a consequente privatização do banco público.

Prova disso são as mais recentes declarações do presidente do banco, Pedro Guimarães, publicadas pela imprensa. Ele confirmou que deve ser enviado ao Banco Central, “ainda este mês”, o pedido de autorizações necessárias para formalizar a criação desta subsidiária e abrir o capital (IPO) do Banco Digital da Caixa. A entrega deste braço da estatal ao mercado — inclusive às bolsas internacionais — começaria já no primeiro semestre de 2021.

Ora, se o próprio presidente do banco tenta “justificar” a venda da nova subsidiária “dado o tamanho e a relevância do Banco Digital”, as perguntas que não se calam são: Então, pra que vender o que ele mesmo reconhece que é um sucesso, uma “inovação total”? Pra que vender o que é lucrativo ao país, aos cofres públicos, aos brasileiros?

Contradições como esta deixam absolutamente evidente que o governo Bolsonaro atua por conveniência, de acordo com a direção do vento e conforme os interesses do capital financeiro nacional e internacional.

É importante lembrar que a Caixa Econômica ampliou o programa de inclusão bancária em 2012, com as contas “Caixa Aqui”, ratificando o papel público e relevante do banco para o Brasil.  Não se pode permitir, portanto, que todo esse investimento seja entregue à iniciativa privada, como quer o governo e rejeitam os brasileiros.

Pesquisa realizada pela revista Exame, em parceria com o Ideia — instituto especializado em opinião pública — apontou que 49% dos entrevistados disseram ser contra a privatização da Caixa, enquanto 22% se declararam a favor, 19% ficaram neutros e 9% não souberam opinar. O levantamento, divulgado no último dia 10 de setembro, foi feito com 1.235 pessoas, por telefone, em todas as regiões do país, entre os dias 24 e 31 de agosto.

Em outra pesquisa, desta vez realizada pela revista Fórum entre os dias 14 e 17 de julho, 60,6% dos participantes se posicionaram contrários à privatização do banco público. A revista ouviu a opinião de mil brasileiros sobre a venda de estatais. A empresa que teve a maior rejeição social à privatização foi a Caixa Econômica Federal.

No Supremo Tribunal Federal (STF), tramitam três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra a venda da Caixa, da Petrobras e de outras estatais imprescindíveis à nação. Uma das ADIs foi ajuizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Outras duas também questionam a venda do banco público e a MP 995.

Um total de 412 emendas de deputados e senadores foram apresentadas à medida provisória; mais de uma dezena delas, sugeridas pela Fenae. Além disso, 286 parlamentares e entidades da sociedade civil assinam Manifesto da Federação contra a MP 995 e a privatização da Caixa.

Principal operadora e financiadora de políticas públicas sociais, a Caixa Econômica Federal também é geradora de emprego, renda e desenvolvimento. A estatal oferece as menores taxas para a compra da casa própria e facilita o acesso a benefícios diversos para os trabalhadores, taxas acessíveis às parcelas mais carentes da população e recursos para o Financiamento Estudantil (Fies), entre outros.

Além das agências, lotéricas e correspondentes bancários espalhados por todo o país, o banco é o único que chega aos locais mais remotos por meio de unidades-caminhão e agências-barco.

Cerca de 70% do crédito habitacional é feito pela Caixa Econômica e 90% dos financiamentos para pessoas de baixa renda estão na Caixa. Além de moradias populares — como as do programa Minha Casa Minha Vida — o banco público também investe na agricultura familiar e nas micro e pequenas empresas.

A crise tem mostrado — inclusive aos que defendem o Estado mínimo e as privatizações — a importância do setor público especialmente nesta pandemia, a exemplo da Caixa, dos outros bancos públicos e do Sistema Único de Saúde. Acreditamos que a sociedade continuará pressionando o governo e o Congresso a não entregarem, para a iniciativa privada, nem a Caixa nem o SUS nem qualquer outro patrimônio que é do Brasil, que é dos brasileiros.

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Sergio Takemoto é presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).