Procissão do Fogaréu: Túnica usada por farricocos em Goiás é confundida com Ku Klux Klan; entenda

Atualizado em 28 de março de 2024 às 11:04
Túnica usada por farricocos é confundida com a Ku Klux Klan — Foto: Vitor Santana/g1 e Reprodução/National Photo Company Collection

Com tochas, túnicas coloridas e capuzes pontiagudos, homens vestidos de farricocos, que representam os soldados romanos, tomam as ruas da cidade de Goiás anualmente durante a Procissão do Fogaréu. A performance relembra a perseguição a Jesus Cristo, para prendê-lo, e faz parte das celebrações da Semana Santa.

As vestimentas dos farricocos são frequentemente comparadas às usadas pelo grupo de supremacia branca Ku Klux Klan – que usam túnicas brancas e capuzes cônicos.

Entretanto, segundo o presidente da Organização Vilaboense de Artes e Tradições (OVAT), Rodrigo dos Santos e Silva, os elementos simbólicos têm significados distintos e as referências da procissão datam de períodos muito anteriores à criação da KKK, conforme informações do G1.

Os primeiros registros da KKK são de 1865, quase um século depois da menção dos farricocos nos textos encontrados na Igreja de São Francisco de Paula, localizada na cidade de Goiás. A partir da descoberta, a OVAT resgatou a iconografia da encenação em 1965.

Rodrigo explicou também que o padre espanhol João Perestrello de Vasconcellos Spindola, fundador da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos e o mentor da Semana Santa na cidade de Goiás, trouxe elementos da sua formação religiosa na Europa para reviver tradições na cidade goiana. Em 1745, então, ele introduziu a Procissão do Fogaréu na cidade.

“As pessoas acham que o nosso é novo porque se coloca 1965 como data de fundação da OVAT, que é quando ela resgata e empreende essa tradição, por isso se acha que a produção do Fogaréu poderia ser copiada de algo que veio antes, nos Estados Unidos. Mas não, muito pelo contrário, nós copiamos aquilo que era nosso, nós reinventamos a nossa tradição através daquilo que já existia lá em 1745”, disse Rodrigo.

“Então, nós não podemos ser confundidos como um movimento que busca segregar a população. Muito pelo contrário, a gente atrai toda a multidão, todos os fiéis, para a igreja evangelizar”. 

Farricocos saem pela cidade de Goiás em busca de Jesus Cristo durante Procissão do Fogaréu — Foto: Vitor Santana/g1
Farricocos durante Procissão do Fogaréu, em Goiás— Foto: Vitor Santana/g1

A pesquisadora em antropologia Izabela Tamaso também destacou que o processo de criação das túnicas do farricocos não faz nenhuma alusão ao grupo dos EUA.

“Quando a Goiandira vai criar a vestimenta do farricoco, ela pensa exatamente no penitente. Então, ela não associou a essa ideia que subsidia, que está por detrás da vestimenta da Ku Klux Klan. Não é a mesma. Não tem o mesmo sentido”, disse.

Izabela explicou ainda que o processo de criação dos símbolos e personagens da procissão envolveu estudos da liturgia e do contexto histórico que registraram as primeiras aparições da figura do farricoco.

“No Livro de Receitas da Irmandade, datado de 1745, há referência ao pagamento a um farricoco, o que levantou questões sobre o significado do termo ‘farricoco’. Essa expressão, em alguns lugares, se refere a encapuzados. Assim, a iconografia do farricoco, um personagem central na Procissão do Fogaréu, foi estabelecida”, explicou a pesquisadora.

Vale destacar que a iconografia da procissão foi desenvolvida pela artista plástica Goiandira do Couto, uma das fundadoras da OVAT.

Tamaso afirmou também que a estética dos farricocos não foi inspirada nos guardas romanos, mas sim nas procissões de penitência medievais, onde os pecadores buscavam o anonimato e, por isso, ficavam encapuzados para não serem identificados.

“[A Goiandira] Pensa nos guardas romanos, não como guardas romanos, como eles sempre são caracterizados. Ela vai pensar numa vestimenta que fosse relacionada aos pecadores penitentes das procissões de penitência que aconteciam na Europa medieval. Eles vestiam esse capuz com essa roupa comprida. O capuz era exatamente porque os pecadores não queriam ser identificados, estavam na procissão pedindo perdão pelos pecados”, contou a professora.

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