“Procuradores da Lava Jato se acharam deuses e fizeram uma série de irregularidades e de abusos”: Kakay, advogado de Joesley, fala ao DCM

Atualizado em 17 de setembro de 2017 às 6:58
Kakay

Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, é o criminalista que assumiu a defesa dos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud no dia 10 de setembro. Já atendeu mais de uma dezena de políticos implicados na Operação Lava Jato e agora assume o caso que o coloca diretamente contra o procurador-geral Rodrigo Janot.

Mas Janot não foi o único criticado por Kakay. O advogado afirmou que o contato do juiz Sérgio Moro com o advogado Carlos Zucolotto Junior para dar resposta à reportagem da Folha de S.Paulo poderia ser interpretado como crime de obstrução de Justiça e poderia acarretar prisão preventiva. Ele se baseou nas próprias decisões de Moro para fazer sua crítica.

O DCM entrevistou Kakay sobre os recentes eventos envolvendo Joesley, sua delação premiada e outros envolvidos com a Lava Jato.

DCM: Você definiu em nota pública que Janot foi “desleal” com Joesley Batista. Por que ele traiu?

Kakay: Janot traiu os dois delatores porque queria retirar a imunidade que o MP concedeu e foi muito criticada.

O procurador-geral achou que iria virar um Deus nacional com essas denúncias contra o Temer e outros políticos, mas, na realidade, quando ele deu imunidade, Rodrigo Janot foi massacrado pela mídia e pelos formadores de opinião.

Foi assim que ele resolveu tirar de maneira desleal os benefícios dados.

DCM: A prisão de Joesley e a desmoralização de Janot estão ligadas somente às novas gravações?

Kakay: Sim, mas não havia nada de errado nas gravações. A única coisa de errado que ocorreu na fita foi a colocação do próprio Janot que fez o ministro Marco Aurélio dissesse que todos os integrantes do STF estavam em suspeição. Quando nós, operadores do Direito, e vocês jornalistas ouvimos a gravação, a montanha pariu um rato. Não havia nada que justificasse aquela espetacularização do procurador-geral naquele triste dia.

Ele pegou um determinado depoimento e colocou uma visão, do meu ponto de vista errada, parcial, uma subleitura, e simplesmente pediu a suspensão para depois solicitar a prisão do Joesley e do Ricardo [Saud]. Claramente isso foi feito de forma desleal. Veja bem. Em todas as grandes delações que o Brasil fez, ou quase todas, eles fizeram chamada para recall ao descobrir que a pessoa tá mentindo ou quando ela conflita com outra delação. E as delações premiadas são feitas a granel, acabando totalmente com sentido do instituto.

Quando isso aconteceu, eles chamaram os delatores e, às vezes, eles pagavam maiores multas. No caso do Joesley, o recall não aconteceu. Porque nem ele e nem o Ricardo cometeram erros. Eles não omitiram nada e contaram rigorosamente o que tinham de informações sobre o ex-procurador Marcelo Miller.

Se a PGR tinha alguma dúvida, veja como isso é grave, o Joesley e os delatores da JBS tinham um prazo de até 30 de outubro para pegar documentos, fazendo esclarecimentos. Como é que se dá essa delação pela forma que aconteceu? Se houvesse algum problema, eles saberiam que seriam chamados para explicar algum determinado conteúdo dos documentos e dos anexos.

Era simples. Bastava eles serem chamados para dar explicações sobre as dúvidas que envolvem a veracidade e a espontaneidade sobre os depoimentos do ex-procurador. É simples, absolutamente simples, mas é infeliz como isso não aconteceu. Como Janot queria tirar a imunidade para acabar com o problema, ele achou que estava criando um “grand finale” e pede de forma desleal, na minha visão, a prisão dos dois delatores.

DCM: A delação premiada não fica comprometida com a proximidade de Joesley Batista e Ricardo Saud com Marcelo Miller? Por que eles entregaram as gravações?

Kakay: Não acredito que há comprometimento. A fita de Joesley e Ricardo Saud foi entregue porque eles acreditavam na lealdade da PGR, por isso no mesmo dia eles poderiam prestar novos esclarecimentos se isso fosse solicitado. A gravação envolvia políticos e, se eles editassem para não aparecer essa conversa de boteco, de bêbado, poderia poupar alguém. Foi uma questão de lealdade.

É importante dizer que essas novas gravações foram acompanhadas por mais de 50 anexos. Por isso eu acho que claramente, de maneira desleal, o Ministério Público armou contra os delatores que tinham o direito de usufruir dos benefícios dados.

Na tarde anterior à prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud, os dois foram chamados para prestar esclarecimentos sobre uma outra fita que envolve o ex-ministro José Eduardo Cardozo. Imediatamente Joesley explicou que poderia entregar aquela fita e que só não apresentou porque a defesa técnica recomendou que aquele material era pessoal.

DCM: Por que a defesa considerou a gravação de Cardozo como “pessoal”?

Kakay: Há gravações de advogados no caso que envolvem os delatores que não podem vir a público. A procuradoria fez uma observação que, no meu ponto de vista, tem pertinência jurídica. Eles dizem que quem tem que aferir se a fita tem crime ou não é as autoridades e não os delatores. Não tem nenhuma fita deles no exterior e elas estão sob a responsabilidade de Joesley Batista e Ricardo Saud. Eles ficaram de entregar os materiais.

No entanto, a deslealdade veio com os pedidos de prisão. Joesley foi ao Ministério Público, confiou no MP, se dispôs a entregar o que sabia e foi detido ainda assim.

DCM: O senhor não acha estranho que Ricardo Saud e Joesley Batista tenham sido presos e não Marcelo Miller, ex-procurador que atuou com Rodrigo Janot na Lava Jato?

Kakay: Não acho estranho que Marcelo Miller não tenha sido preso. Nenhum dos três deveria ter sido presos. O ministro Edson Fachin entendeu que o ex-procurador não fez parte do que se entende como facção criminosa. Mas ele fria que Joesley e Ricardo Saud fazem parte.

Isso é claro. Eles fizeram delação premiada. Só o Ricardo entregou 1782 pessoas. Eles falaram de centenas de crimes e trouxeram documentos. Isso é que é o instituto da delação. Então eles faziam parte da organização criminosa confessadamente. Só que fizeram isso numa delação pelo benefício que o Ministério Público lhes concedeu. Não há nenhuma incoerência nisso.

Eu acho que a prisão deles era desnecessária porque eles não mentiram, nem contaram só parte da verdade. Se tivessem dúvidas, poderiam explicar. Contaram o que sabiam. Portanto nenhuma das prisões seriam corretas no momento.

DCM: Você não se sente constrangido por defender uma pessoa como Joesley Batista, embora todos mereçam defesa? Justamente pelo senhor ser um crítico da delação premiada?

Kakay: Evidentemente que não tenho nenhum constrangimento. Pelo contrario. É um prazer atuar nesse caso, com repercussão enorme no Brasil, que me permite discutir teses interessantíssimas. Eu sou e continuo sendo um crítico da forma como a Lava Jato usa a delação premiada.

Tenho dito pelo Brasil todo, fazendo duas palestras por mês há pelo menos dois anos, que eu sou favorável ao instituto da delação. Ele é muito importante no combate ao crime organizado. O que acontece é que houve uma deturpação e houve uma banalização por parte de membros dessa Força-Tarefa da Lava Jato. E isso também aconteceu por parte de alguns da Procuradoria-Geral da República.

O caso específico do Joesley corrobora exatamente para as minhas teses críticas. O que aconteceu? Fizeram uma delação, ela foi considerada a mais efetiva de todas, dando a imunidade total. Após essa imunidade, o Janot certamente se sentiu naquele momento um pequeno Deus.

O procurador-geral pegou documentos, a palavra do Joesley Batista e apresentou denúncia ao presidente da República, pedindo prisão a prisão do senador na época mais importante do PSDB [Aécio] e uma série de outras ações. Só que de repente ele começou a notar que a crítica contra ele por ter dado imunidade era muito grande.

O jornal O Estado de S.Paulo fez sete editoriais contra ele. Todos os formadores de opinião questionaram essa imunidade. Janot então caiu do céu para o inferno. Estava navegando e surfando no poder Lava Jato, da força midiática e dessa espetacularização do processo penal que eles fizeram, incluindo a exposição ilegal e imoral das pessoas envolvidas claramente contra o princípio da dignidade do cidadão, Rodrigo Janot depois se viu isolado e criticado. E essa pressão o fez retirar a imunidade concedida.

Ele fez isso da pior forma porque foi desleal. Janot representa o Estado, por isso ele não poderia ser desleal. Por quê? Porque se ele tinha alguma dúvida no tocante àquela fita, que ele chamou uma coletiva para falar dela – que é jocosa e tem palavras de baixo nível -, deveria ter sido dito antes. Rodrigo Janot paralisou o país falando em crimes contra ministro do Supremo, sendo que era uma conversa de bêbado. Ele usou isso de forma irresponsável.

DCM: Procurador Carlos Lima disse para o senhor “tomar vergonha na cara” por sua declaração com Moro e Zucolotto, padrinho de casamento do juiz. O que acha da postura do MP com críticas à Lava Jato?

Kakay: Não quero mais polemizar com este procurador, pois acho ele insignificante no processo penal. Ele gosta de ficar usando o Facebook e de usar o prestígio da sua instituição de forma indevida. Isso é uma coisa lamentável.

Mas acho curioso que caia a máscara do Ministério Público Federal através do seu chefe máximo, porque ele foi pego fazendo toda essa trapalhada. O Estado de S.Paulo fez editoriais criticando o MP e já existiu procuradores acusados de crimes.

Wesley e Joesley Batista

DCM: Como assim?

Há uma série de questionamentos à Lava Jato e os formadores de opinião estão sentindo que existe terreno para isso. Eu sou plenamente favorável à Operação Lava Jato, que descortinou uma corrupção institucionalizada que ninguém poderia imaginar neste grau. Acontece que eu tenho como obrigação sendo cidadão e advogado de apontar os excessos há três anos. E eles são cometidos por este grupo de procuradores. Eles se sentem donos da verdade e começaram a ser tratados como heróis por parte da mídia.

Eles realmente se acharam heróis e fizeram uma série de irregularidades e de abusos. Começaram a brigar para passar as tais 10 medidas contra a corrupção, claramente inconstitucionais e ilegais, e afirmando que dois milhões haviam assinado aquilo. Nem 0,1% delas deve ter lido o que estava ali. E daí pegam a Maria Fernanda Cândido para pedir assinaturas. Se ela me passar um papel em branco, eu assino.

Faltou seriedade e respeito ao devido processo legal no momento em que eles queriam legalizar provas ilícitas. Estavam se sentindo tão poderosos até cair a máscara por parte deste Ministério Público que extrapolou de todos os poderes. Tentaram aprovar um teste fascista de integridade, diminuição do escopo do habeas corpus.

Ou seja, é um triste momento da história de parte do Ministério Público Federal. Eu acho que a história, quando for abordar este momento, vai apontar as vantagens que a Lava Jato teve e vai mostrar o papel ridículo, mesquinho e pequeno que esses falsos heróis tiveram na história recente do Brasil.

A sociedade ainda espera um posicionamento dos valiosos integrantes do Ministério Público Federal, a Força-Tarefa, sobre as trapalhadas nesse final de mandato melancólico do doutor Rodrigo Janot.

DCM: Se a delação de Joesley for válida, ele deverá receber habeas corpus? Quando?

Kakay: Entendo que o Supremo vai entender como válido o pedido de habeas corpus porque não há nada nas atitudes de Joesley Batista ou de Ricardo Saud que invalidem a delação premiada, justificando uma prisão. Até porque o doutor Janot cometeu um erro que talvez não tenha percebido e ele é enorme.

Rodrigo Janot pediu a rescisão da delação afirmando que há um vício de origem, quando ele assinou a delação premiada. Ora, se o STF entender que há de fato um vício de origem, obrigatoriamente o que deve acontecer é que todas as provas serão anuladas. O vício de origem anula absolutamente tudo.

Diante disso, entendo que após a análise detida e séria, Joesley e Ricardo Saud serão colocados em liberdade.

DCM: Na sua opinião, a instituição da delação premiada precisa ser revisto? Por qual razão?

As delações premiadas não podem ser realizadas a granel, de maneira massiva. Essa própria delação envolvendo o Temer tem 25 testemunhas e só uma delas não é delatora. Tem uma ação que ocorre em Curitiba envolvendo o Palocci que tem 13 réus e 11 são delatores. Existe uma banalização clara do instituto da delação premiada.

Se isso continuar acontecendo, você dá imunidade a um delator, é criticado e retira a imunidade sem que tenha nenhum motivo jurídico para isso.

Eu acho que o Ministério Público Federal conseguiu destruir a delação premiada, que vai ter que ser repensado seguramente.

DCM: Você acha que o MP e a imprensa tem uma proximidade muito problemática e isso acaba alimentando as críticas à Lava Jato?

A mídia que fez o Janot, a mídia que fez essa espetacularização, essa mídia opressiva, é a mesma mídia que vai acabar com esses excessos. Eles acreditaram que eram deuses e não são. O Janot sai de maneira melancólica, assim como os procuradores da Força-Tarefa. Todos eles usaram de forma exagerada a mídia. Ela é que vai mostrar a fragilidade deles.

DCM: O que é a “advocacia do confronto” que você mencionou?

A advocacia da combatividade que falo, do confronto, é a convencional, mostrando a defesa do cliente e usando o Direito em sua plenitude. A ideia não é simplesmente se submeter de maneira humilhante.

Às vezes vejo alguns colegas comentando como são tratados nas delações premiadas e eu fico impressionado. São tratados como meros acompanhantes dos delatores. O Ministério Público os deixa esperando, faz o que querem com eles, impõem perguntas. A advocacia tem que valer. E eu não critico quem faz delação, pois é um direito garantido.

Há um tratamento rude e até deselegante quando o Joesley foi chamado à PGR para explicar as questões da sua delação. O relato sobre aquele acontecimento diz que os advogados tiveram que deixar de fora da sala celulares e canetas, enquanto o MP está utilizando todos esses equipamentos. Eles passavam informações online do que estava acontecendo para quem estava lá fora.

Determinado depoimento terminou meio dia e um minuto depois a informação estava no blog Antagonista. Essa falta de paridade de armas é muito ruim.

A advocacia combativa exige respeito ao devido processo, ao Ministério Público e ao Judiciário.