Publicado no 247
A imprensa corporativa brasileira, que apoiou o golpe de 2016, já estudado em mais de trinta universidades brasileiras, traçou um plano para censurar os meios de comunicação não alinhados a esse processo. A evidência mais explícita disso é um manifesto contra “fake news” lançado neste fim de semana pela revista Veja, que, além de notória pela publicação de notícias falsas, foi punida pela Justiça Eleitoral na disputa presidencial de 2014 justamente por editar uma das maiores “fake news” da história da imprensa brasileira: a capa “Eles sabiam de tudo”, que chegou a ser impressa, como panfleto, pela campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) – o tucano era apoiado por Veja e hoje é investigado em diversos inquéritos no Supremo Tribunal Federal.
O mais curioso é que o manifesto de Veja é patrocinado por duas empresas, que possuem interesses econômicos gigantescos no Brasil. Uma delas é a Ambev, do bilionário Jorge Paulo Lemann, que se movimenta para garantir a privatização da Eletrobrás, processo conduzido por Michel Temer, um dos governantes mais impopulares do mundo. Outra, a Coca-Cola, que, naturalmente, tem interesse em recursos naturais no Brasil.
Em paralelo, fundações norte-americanas e a própria Ambev vêm apoiando iniciativas supostamente científicas sobre “fake news”, como o Projeto Credibilidade. Um dos principais envolvidos nesses trabalhos é Pablo Ortellado, apresentado por Veja como o “maior especialista do Brasil” no tema. Em seus trabalhos, ele divide a mídia em três grupos: grande imprensa, engajados de direita e engajados de esquerda. Neste terceiro grupo, são incluídos veículos não alinhados com o golpe, como Brasil 247, GGN, Diário do Centro Mundo e Revista Fórum, todos com expediente e jornalistas conhecidos. Enquanto isso, os “engajados de direita” são veículos anônimos e clandestinos, notoriamente conhecidos por espalhar notícias falsas.
“O objetivo dessa iniciativa é repetir algo que já foi feito nos Estados Unidos: pressionar plataformas tecnológicas como Google e Facebook a reduzir o alcance de veículos independentes, que poderão ser igualados aos extremistas de direita”, diz o jornalista Brian Mier, co-editor do Brazil Wire.
Atentos a esse movimento, parlamentares da oposição garantem que não irão permitir que grupos privados e pesquisas sem rigor científico sejam usados como instrumentos de censura no Brasil, no momento em que o Tribunal Superior Eleitoral e o próprio governo Temer criam grupos de trabalho sobre “fake news”, com participação até do Gabinete de Segurança Institucional. “Podemos promover audiências públicas no Congresso Nacional, convocando os patrocinadores desses eventos, Google, Facebook e até mesmo pesquisadores que se prestam a endossar ataques à liberdade de expressão”, diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS). “Também temos todo o interesse em demonstrar quem realmente produz notícias falsas no Brasil”, afirma.
Curiosamente, Veja tem sido uma das maiores produtoras de notícias falsas nos últimos anos. Basta citar suas reportagens recentes sobre “dólares de Cuba”, “dólares de Khadafi” e até sobre um mirabolante “plano de fuga” do ex-presidente Lula para a Itália, que poderia ser usado para motivar uma eventual prisão preventiva. A prática tem sido tão escancarada que, nas últimas eleições presidenciais, Veja foi obrigada pela Justiça Eleitoral a conceder direito de resposta à presidente deposta Dilma Rousseff, no dia do segundo turno.
Confira o texto publicado em 29 de outubro de 2014: