O deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) usou um suposto “estudo de Harvard” para justificar um projeto de lei na Câmara dos Deputados que propõe desburocratizar e facilitar o acesso de armas a civis. O problema, porém, é que a publicação citada pelo parlamentar foi refutada há mais de 14 anos, em junho de 2009. As informações são do The Intercept Brasil.
O artigo, de autoria de dois ativistas pró-armas, o norte-americano Don B. Kates e o canadense Gary Mauser, foi refutado pelo atual diretor do Centro de Pesquisa de Controle de Lesões de Harvard e Centro de Prevenção de Violência Juvenil de Harvard. Na época, David Hemenway publicou um texto no próprio site da universidade desmentindo e classificando o suposto estudo como “peça de desinformação”.
E como se não bastasse a desinformação promovida pelo próprio estudo, o deputado brasileiro foi além e afirmou que o artigo de Kates e Mauser tem o título “Contraproducência do controle de armas”. O título mencionado pelo deputado, nunca foi adotado, nem mesmo de forma abreviada e seria “um estudo minucioso acerca da temática sobre leis de armas e violência nos Estados Unidos e Europa”, conforme a publicação.
O estudo não é encontrado no site de Harvard. No rodapé do projeto de Nikolas, apontado como referência bibliográfica, há um link que direciona para um site de uma organização dos Estados Unidos que não tem qualquer relação com a Universidade de Harvard. Na página é mencionado o título do suposto estudo, intitulado “Would Banning Firearms Reduce Murder and Suicide? A Review of International and Some Domestic Evidence”, que teria sido publicado no “Harvard Journal of Law and Policy”, em 2007.
Mesmo refutado há mais de uma década, o artigo também é usado de forma fraudulenta por defensores do movimento armamentista nos EUA.
Em 2018, o projeto de jornalismo investigativo The Trace, que apura as consequências da violência por arma de fogo no território norte-americano, publicou uma checagem do material mencionado no PL de Nikolas Ferreira e apontou que o estudo não foi conduzido por pesquisadores vinculados à Universidade de Harvard, como o deputado sugere.
Na verdade, Don B. Kates, que morreu em 2018, foi um advogado e ativista pró-armas apoiado pela NRA (National Rifle Association). Já Gary Mauser é um defensor de armas de fogo no Canadá, que nunca estudou ou deu aulas em Harvard. A única relação do suposto estudo com a universidade norte-americana é que ele foi, de fato, veiculado na revista de Harvard. O artigo também não segue os padrões acadêmicos convencionais e não possui revisão por pares, tampouco ficou hospedada no site da universidade.