Propinas e agentes públicos: as licitações fraudulentas do PCC em SP

Atualizado em 20 de maio de 2024 às 6:53
Primeiro Comando da Capital (PCC). Foto: reprodução

As fraudes em licitações para desviar milhões de reais de dinheiro público e direcioná-los ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do Brasil, impactaram mais cidades paulistas do que se imaginava. Com informações do colunista Flávio VM Costa, do UOL.

O esquema, operando ao longo de anos, envolvia empresas ligadas a um membro da facção e incluía o pagamento de propinas a agentes públicos. Entre 2016 e 2023, mais de R$ 251 milhões em dinheiro público foram desviados para CNPJs associados ao PCC, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Pelo menos 25 prefeituras e câmaras municipais, além de uma fundação cultural do estado, firmaram contratos com as empresas envolvidas no esquema.

Vagner Borges Dias, conhecido como Latrell Brito, membro do PCC que se apresentava como empresário e músico de pagode, foi identificado como o operador do crime pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Brito está atualmente foragido.

Latrell Brito é o fundador do grupo Safe, que inclui pelo menos sete empresas registradas em seu nome e no de laranjas. Essas empresas eram utilizadas para vencer licitações fraudulentas, utilizando documentos falsos, simulação de concorrência e corrupção de agentes públicos, conforme informações do MP-SP.

Pagodeiro foi pilar de investigação entre PCC e esquema de fraudes de licitações em SP | CNN Brasil
Vagner Borges Dias, conhecido como Latrell Brito. Foto: reprodução

Além disso, essas empresas também serviam para lavar dinheiro proveniente do tráfico de drogas e de outros crimes cometidos pelo PCC. Um delas teve como representante Márcio Zeca da Silva, outro membro da facção, condenado em primeira instância por tráfico de drogas.

Latrell Brito mantinha um grupo de WhatsApp onde coordenava lances em pregões eletrônicos e presenciais com servidores, secretários municipais e políticos em mandatos eletivos. Ele decidia qual empresa do grupo venceria a licitação e como abordaria os concorrentes legítimos para convencê-los a desistir das disputas, de acordo com as provas coletadas.

Políticos

Em abril, o Gaeco (Grupo de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deflagrou a Operação Munditia para desvendar o esquema do PCC nas administrações de cidades paulistas. A Justiça de São Paulo aceitou a primeira denúncia de crime de organização criminosa contra 17 pessoas. Agora, a investigação do MP-SP foca na corrupção de agentes públicos.

Três vereadores acusados de participar do esquema foram presos: Flavio Batista de Souza (Podemos) de Ferraz de Vasconcelos, Ricardo Queixão (PSD) de Cubatão, e Luiz Carlos Alves Dias (MDB) de Santa Isabel.

Esses políticos ajudaram as empresas do PCC a vencer licitações em suas respectivas cidades em troca de propinas, segundo a investigação. O suborno era pago em dinheiro vivo e via transferência por Pix em suas próprias contas bancárias e nas de seus parentes.

As cidades com contratos com as empresas do PCC incluem Poá, Santa Isabel, Arujá, Buri, Ferraz de Vasconcelos, Itatiba, Peruíbe, Caieiras, Cubatão, Guararema, Guaratinguetá, Pedro de Toledo, Sorocaba, Jaguariúna, Mogi das Cruzes, Franca, Guarujá, Pindamonhangaba, Araraquara, Guarulhos, Campinas, Atibaia, Nazaré Paulista, Suzano e São Vicente, além da Fundação Cultural Cassiano Ricardo localizada em São José dos Campos.

O esquema também atingiu o Metrô de São Paulo, conforme reportado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Um contrato de R$ 41 milhões foi debatido entre membros do PCC sobre quem receberia parte da propina. Latrell Brito afirmou, em mensagens no WhatsApp, que um funcionário do Metrô havia obtido o contrato para ele.

Pagodeiro foi pilar de investigação entre PCC e esquema de fraudes de licitações em SP | CNN Brasil
Fachada da sede do ministério público de São Paulo. Foto: Bruno Escolástico

Todos os contratos firmados, principalmente para mão de obra terceirizada na área de limpeza e serviços gerais, estão sendo investigados pelo MP-SP e por técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Vale destacar que as empresas do PCC têm mais de 30 processos na Justiça do Trabalho devido à inadimplência no pagamento de salários dos funcionários terceirizados.

O problema ocorreu, por exemplo, em Campinas e Araraquara, onde as prefeituras firmaram contratos milionários de prestação de serviços com empresas ligadas a membros do PCC, negando irregularidades no processo licitatório.

Em Campinas, governada por Dario Saadi (Republicanos), quase R$ 19 milhões foram pagos à microempresa em nome de Vagner Borges Dias, com os pagamentos realizados em 2022 e 2023. Já em Araraquara, administrada por Edinho Silva (PT), mais de R$ 10 milhões foram pagos à mesma microempresa entre 2021 e 2022. O contrato envolvia a terceirização dos serviços de limpeza da Secretaria de Educação.

Terno

Parte fundamental do esquema era a cooptação de funcionários das prefeituras e de políticos com mandatos eletivos. Um dos vereadores presos por envolvimento no esquema, Ricardo Queixão, fazia pedidos insistentes de propina a Latrell Brito. Ele chegou a justificar que precisava comprar um terno para sua posse como presidente da Câmara Municipal de Cubatão.

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Ricardo Queixão. Foto: reprodução

Em 29 de dezembro de 2020, três dias antes da posse, Queixão fez o pedido a Latrell pelo WhatsApp. “Vê se consegue agilizar [o pagamento] pra mim eu tenho que comprar terno para posse e agilizar outras coisas para minha presidência.”

Latrell Brito pediu que o vereador enviasse o número de uma conta e, em um áudio, justificou o atraso no pagamento devido a pagamentos a funcionários. Queixão enviou os dados bancários de sua mulher e, em outra oportunidade, a chave Pix do filho. Os pagamentos giravam em torno de R$ 2.000 a R$ 5.000.

Em audiência judicial, Queixão admitiu que recebia uma “ajuda” de R$ 5.000 mensais de Latrell Brito e chorou durante o depoimento.

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