No dia 25 de janeiro de 1984, o comício das Diretas Já em pleno aniversário da cidade de São Paulo reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé. No mesmo local, 32 anos depois, cerca de 50 mil manifestantes protestaram na frente da famosa catedral estendendo uma grande faixa: “impeachment é golpe”. Conversando com quem estava lá, era possível perceber muitos jovens e senhores que tinham lutado pela democracia no final da ditadura militar.
Cheguei na praça às 14hrs, com militantes dos partidos PCO e PT montando cartazes e se organizando com as centrais sindicais. A CUT ergueu seus famosos balões diante da catedral gótica que é cartão postal da cidade. Além deles, sindicato dos químicos, professores, militantes feministas e LGBTs se reuniram para impedir o golpe arquitetado por políticos como Eduardo Cunha e Michel Temer, que utilizam o impeachment como sua ferramenta.
“Não vai ter golpe” foi o brado mais ouvido no coração de São Paulo naquela manifestação pacífica.
Os grandes veículos de imprensa cobriram o evento desistindo de desqualificá-lo de maneira rasa, como ocorreu durante a manifestação na Avenida Paulista com Lula em 18 de março. O número divulgado pelo Datafolha foi mais próximo da realidade. Eles calcularam 40 mil manifestantes na Sé.
As emissoras SBT e RedeTV cobriram com suas equipes na rua, assim como a Agência Brasil. Posicionaram seus repórteres devidamente identificados e explicaram o que estava acontecendo na praça. A Rede Globo, no entanto, não ficou perto do povo e fugiu de atritos com a mobilização.
Chamada de “golpista” pelos manifestantes, nos cartazes e nos discursos, os jornalistas cobriram a manifestação de uma sacada da Catedral da Sé. A Globo também fez algumas tomadas de helicóptero, deu o número de pessoas informado pela organização e chegou a citar em suas redes sociais que o protesto era “contra o golpe”.
Rede Globo repetiu sua participação nas Diretas Já. Em 84, dizia que a manifestação era uma celebração pelo aniversário de São Paulo. No ano de 2016, a emissora afirmou que o protesto era de simpatizantes do governo federal.
Na rua, as pessoas explicavam claramente suas motivações para se preocuparem com Michel Temer e o poder do PMDB para abafar as investigações da Lava Jato.
Um senhor chamado Rafael tem 68 anos e estava com um chapéu nordestino, vestindo também uma camiseta branca com a frase: “sou petista, preto, pobre, periférico, favelado, mas não gosto da burguesia”. Ele afirmou que fundou o PT nos anos 80 e disse por que estava ali. “Fui preso na ditadura militar e não quero ver meu país cair num novo golpe”. Outro homem, chamado Décio, falou que é ator e que se recusa a entender jovens com comportamentos considerados por ele como “fascistas”. “Um deles me empurrou aqui e eu não aguentei. Chamei de coxinha mesmo. Eu era hippie, vi meus amigos sendo torturados e é difícil ver a sociedade retroceder de novo”.
Mas além de senhores e senhoras que viram a linha dura da ditadura de perto, havia jovens que foram diretamente beneficiados pelos anos Lula e Dilma.
O Núcleo de Ação Democrática Popular (NADP) de São Paulo, organização formada por pessoas com cerca de 20 anos, exibiu cartazes criativos chamando Sergio Moro e Gilmar Mendes de “tucanalha” da Justiça, além de uma grande faixa mostrando a imagem de Aécio Neves como um general e cobrando uma resposta sobre as propinas distribuídas e documentadas na Lista de Furnas. O grupo diz que não tem qualquer filiação ao PT, mas cobra explicações sobre outros 24 partidos mencionados na Lava Jato por crimes que incluem lavagem de dinheiro.
Thiago Viana tem 23 anos e o protesto na Sé foi o segundo que ele participou depois de uma mobilização em Salvador. “Fui beneficiado pelo ProUni no governo Lula e hoje sou professor. Sou contra este impeachment como está colocado. É golpe. E me sinto mais representado aqui como negro”, explicou, mostrando que os beneficiados pelos anos petistas no poder estavam ali.
“Vim no protesto porque o golpe não é a solução. Todo mundo acha que tirando a Dilma melhora o país, mas não sabem o que tem por trás deste suposto impeachment. Muita gente não tem visão ampla de política e é instruída pela mídia”, disse a designer Hamalli Alcântara, de 21 anos. Para ela, existe uma divisão também racista nos protestos e isso prova que a esquerda está vinculada com os mais pobres e com os negros. “Enquanto isso, a direita acha que o governo comunista manipula tudo. Chega a ser infantil”, completa.
No principal caminhão de som, em frente à Catedral da Sé, políticos e personalidades fizeram discursos. A cartunista Laerte Coutinho me cumprimentou depois de dar apoio ao movimento no palanque. O presidente do PT, Rui Falcão, comentou sobre os recentes eventos. “Lula é um grande articulador e um governo que tenha uma pessoa como Eduardo Cunha por trás não é digno”, afirmou. Ele esteve em São Paulo na companhia de Eduardo Suplicy e de políticos que eram vinculados ao governo paraguaio de Fernando Lugo, que sofreu um golpe de Estado legalista em 2012.
A torcida da Gaviões da Fiel também esteve na Sé, exibindo cartazes do movimento Democracia Corinthiana e de figuras históricas, como o jogador Sócrates.
Além de gritos de resistência ao golpe, shows com forró e músicas politizadas ferveram o centro de São Paulo. A esquerda festiva vibrou até com “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, de Geraldo Vandré, relembrando o período tenebroso de luta contra a ditadura militar.
O DCM cobriu protestos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Vitória (Espírito Santo), Salvador (Bahia), João Pessoa (Paraíba) e locais fora do Brasil, como Barcelona (Espanha) e Copenhague (Dinamarca). A luta contra a ilegalidade do golpe de Estado já extrapola os limites do país. Mobilizou pelo menos 500 mil pessoas nesta quinta-feira (31), de acordo com os organizadores.
Parte da sociedade mostrou que está ciente que abusos dentro do governo podem ameaçar as conquistas populares dos últimos 13 anos.