Protestos antirracistas convulsionam EUA e Trump ameaça usar Forças Armadas

Atualizado em 1 de junho de 2020 às 14:08

Publicado no Brasil de Fato

Milhares foram às ruas de Nova York protestar contra racismo institucional da polícia estadunidense – Foto: John Moore/Getty Images/AFP

Por Lu Sudré

Manifestações contra a violência policial em resposta ao assassinato de George Floyd, homem negro que foi asfixiado até a morte por um policial em 25 de maio no estado de Minnesota, foram registradas pelo sexto dia consecutivo nos Estados Unidos. Protestos em repúdio ao racismo histórico das forças de segurança ocorreram em 75 cidades estadunidenses ao longo do último fim de semana, mesmo em meio à pandemia da covid-19.

Assim como os atos em Minneapolis, município onde ocorreu o crime, as manifestações foram marcadas por ações diretas e confronto com policiais, que usaram balas de borracha e gás lacrimogêneo contra a população. Cidades como Denver, Filadélfia, Atlanta, Seattle, Los Angeles e Portland, entre outros, foram palco de tumultos de forma mais intensificada. Pelo menos duas pessoas foram baleadas, em Los Angeles e em Nova York.

Para tentar conter os manifestantes, o toque de recolher foi declarado em ao menos 40 cidades estadunidenses, entre elas Washington, a capital do país. No entanto, a medida não impediu que a população continuasse ocupando as ruas com gritos por Justiça para George Floyd e cartazes do movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam, em português).

Segundo o jornal americano The New York Times, 1.700 pessoas foram presas.

A Guarda Nacional foi acionada em 11 dos 50 estados do país, inclusive em Minnesota, onde saques a lojas e danos ao patrimônio continuaram a acontecer.

Na semana passada, imagens de delegacias de Minneapolis e viaturas policiais incendiadas como forma de protesto repercutiram em nível mundial. Um caminhão avançou sobre os ativistas da cidade neste fim de semana mas não houve feridos.

A Casa Branca, residência oficial de Donald Trump, foi cercada por manifestantes e as luzes foram apagadas como medida de segurança neste domingo (31). Em resposta à insurgência dos últimos dias, o presidente dos Estados Unidos criminalizou os ativistas e ameaçou ameaçou usar o “poder ilimitado” das Forças Armadas para conter os protestos contra a morte de George Floyd.

Na última sexta (29), o tom do republicano em represália às manifestações antirracistas e antifascistas já tinha se elevado. Ao disponibilizar o exército ao governador de Minnesota, Trump fez uma defesa: Junto com a oferta, escreveu: “Quando começam os saques, começam os tiros”.

Ontem, o presidente publicou em seu Twitter que pretende classificar o organização Antifa como terrorista.

Pelo mundo

Impulsionadas pelos atos nos Estados Unidos, manifestações também ocorreram contra o racismo e violência policial em outros países. Ativistas saíram às ruas em Berlim, na Alemanha, em Londres, na Inglaterra e em Toronto, no Canadá e na Nova Zelândia.  Os atos concentraram-se próximo às embaixadas dos EUA em cada país.

A onda de indignação em reação à morte de George Floyd chegou ao Brasil, que também registra alto índice de letalidade policial contra a população negra. No domingo (31), uma ato foi realizado em frente ao Palácio da Guanabara, no Rio de Janeiro.

A manifestação denunciou mais uma suspeita de homem negro assassinado pelos agentes cariocas no dia anterior.

O trabalhador informal Matheus Oliveira foi baleado na cabeça perto de um dos acessos ao Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Moradores da comunidade afirmam que o tiro partiu de um policial. A PM, por sua vez, alega que irá apurar o caso.

A morte ocorre menos de duas semanas após o caso do menino João Pedro, de 14 anos, que levou um tiro fatal na sua casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, durante uma ação conjunta da Polícia Civil e Polícia Federal no dia 18 de maio.

Contexto

Ativistas ouvidas pelo Brasil de Fato destacam que o racismo policial é histórico no país e que existem centenas de outros casos em que pessoas negras foram assassinadas por agentes. As mobilizações atuais retomam o caso de Eric Garner, que também morreu asfixiado em 2014 em uma abordagem policial, mesmo repetindo que não conseguia respirar por 11 vezes.

Estudo da organização Mapping Police Violence (Mapeando a violência policial, em português), também explicitou que negros têm quase três vezes mais chances de serem mortos pela polícia do que brancos nos Estados Unidos.

A convulsão social no país comandado por Donald Trump acontece em meio a um cenário delicado: a população enfrenta uma grave crise econômica, aprofundada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus.

Os Estados Unidos está em primeiro lugar no ranking de países com maior número de casos e vítimas fatais da covid-19. De acordo com dados disponibilizados pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nesta segunda (1), existem mais de 1,7 milhões de pessoas infectadas no país e mais de 103 mil mortes foram registradas.

A tragédia acontece em um momento em que o índice de desemprego era de 14,7% em abril, o maior em mais de 70 anos. Conforme informações disponibilizadas pelo Departamento de Emprego estadunidense no início do mês de maio, em fevereiro o desemprego alcançava um mínimo histórico de 3,5%. Somente em abril, 20,5 milhões de pessoas perderam o emprego.

Entenda o caso

Fortes imagens que circularam amplamente nas redes sociais e na mídia na semana passada, filmadas por testemunhas no dia 25 de maio, registraram a abordagem em que Floyd teve o rosto pressionado contra o asfalto, com o joelho de um policial sobre seu pescoço.

Desarmado e completamente rendido, ele afirmou que estava sem ar diversas vezes. Ignorando o pedido da vítima fatal e das pessoas que acompanhavam e criticavam a ação, o policial permaneceu na mesma posição.

Poucos minutos depois, Floyd parece não se mexer. Ele é colocado em uma maca, e transferido para uma ambulância. Após o óbito ser constatado, a polícia de Minneapolis disse em comunicado oficial que Floyd morreu “após um incidente médico durante uma interação policial”.

A reação foi intensa e instantânea na cidade de Minneapolis, com milhares de pessoas nas ruas. Derek Chauvin, policial que sufocou a vítima com o joelho, foi detido na última sexta-feira (29) e responderá por homicídio culposo, quando não há intenção de matar.

Ele foi acusado de assassinato em terceiro grau, quando o responsável pela morte o fez de forma eminentemente perigosa, delito previsto na legislação de Minnesota. A pena para o crime é de até 25 anos de prisão. Os outros três policiais que participaram da ação ainda estão sob investigação.

Artistas sírios Aziz Asmar e Anis Hamdoun prestam homenagem a George Floyd / Omar HaJ Kadour/AFP