Publicado originalmente no Ecoa do UOL
POR RODRIGO RATIER
O baixo comparecimento às manifestações de hoje (15/03) evidencia que o “chamado às ruas” de Bolsonaro tem atraído parcelas decrescentes da população. Espalhados por sites hiperpartidários, pelas redes de direita e pelo próprio presidente, que chegou a confraternizar com apoiadores em Brasília, fotos e vídeos mostram aglomerações bem menores do que as dos “protestos a favor” mobilizados pelo bolsonarismo em 2019 — essas manifestações, vale lembrar, já haviam sido inferiores às da campanha eleitoral e muito menores que as pelo impeachment.
Em grupos de WhatsApp, algumas mensagens falam em sucesso (“Explodiu! Patriotas invadem Copacabana!”, diz título de vídeo no YouTube, em flagrante descompasso com as imagens aéreas da orla). Mas, com concentrações reduzidas mesmo para os questionáveis padrões bolsonaristas de compromisso com a realidade, a maioria preferiu enfatizar a “coragem”, a “desobediência civil” e o “patriotismo” dos manifestantes, “guerreiros” que não se curvaram às “ameaças do coronavírus”, que muitas postagens reputavam como “inexistente”, “mentira” e “conspiração comunista”.
O temor pelo covid-19 cobrou um preço. O radicalismo, outro quinhão. Menos parlamentares tiveram postura ativa nas redes e os movimentos de maior capacidade de mobilização se ausentaram. Isso, porém, não parece ter alterado o comportamento do tipo “nuvem de gafanhoto” das facções mais radicais que hoje foram a cara das manifestações. Grupos bolsonaristas no WhatsApp são um termômetro. Protagonistas dos protestos pelo impeachment, MBL e Vem Pra Rua se afastaram do bolsonarismo e criticaram a convocação atual. Passaram a se tratados como inimigos. Nas convocações de 2019, movimentos como o Nas Ruas e Avança Brasil ganharam força. Com o coronavírus, acabaram pedindo a troca do protesto em carne e osso por manifestações virtuais. No WhatsApp, todos foram rechaçados: “vamos mostrar que o Vem Pra Rua e o Nas Ruas não mandam em nós”, dizia uma das convocações, agora assumidas por uma variedade de grupos menores.
A quantidade atordoante de mensagens é uma das estratégias. Em 29 grupos bolsonaristas que monitoro, a média foi de 232 interações entre as 10h do sábado e as 10h de domingo (houve grupos com mais de 800 mensagens diárias). A maior parte tinha os protestos como assunto. Essa avalanche, reiterada em um tempo de exposição relativamente longo — há registros de grupos de apoio a Bolsonaro já em 2014 — merece estudo quanto à influência nos processos de radicalização observados por pesquisadores como David Nemer e Isabela Kalil.
Para os apoiadores, a concentração na Av. Paulista parece ter sido especialmente decepcionante. Circulou pelos grupos um vídeo do protesto de 7 de abril de 2019, com muito mais gente, como se fosse atual e “ao vivo”:
No ato de verdade, a meditação do general Heleno — “Foda-se” — virou palavra de ordem. “Foda-se o Dória! Vai tomar no cu”, gritava-se do alto da carreta do Movimento Direita Conservadora, na Av. Paulista, enquanto o orador enfatizava a necessidade de se aderir à caixinha para pagar uma suposta multa pela manifestação. “Nós não temos medo do coronavírus, nós temos medo é do comunavírus, do canalhavírus, do corruptovírus. Vocês vão se foder!”, ponderou. “Nós somos o exército do capitão. Estamos com os generais, estamos com o exército. Deus está conosco também”.
Nas ruas, as mensagens em faixas e cartazes seguiam a mesma postura bélica extremada. O foco foram os representantes do Legislativo e Judiciário: “Bandidos de toga”; “políticos corruptos”; “Maia, Alcolumbre e STF estão tremendo”; “Não aceitamos poder paralelo”; “A verdade antes da paz”; “Fora STF”; “Fora Congresso”; “Fecha STF e Congresso, é muito mais barato”; “Por mais militares no poder”; “Intervenção militar já”; “S.O.S. Forças Armadas”; “Coronamaia, esse vírus mata”. Presidente do senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi chamado de “comunista”:
Pautas mais republicanas, como a disputa pelo orçamento impositivo, a defesa da prisão em segunda instância e o apoio à Lava Jato estiveram presentes, mas de forma minoritária. Mesmo o PT e Lula, nêmesis do bolsonarismo, saíram do foco. Na ruas da direita, o jogo virou. O principal garoto-propaganda do golpismo antissistema é o próprio presidente. Como informa o reporter do Valor Econômico Matheus Schuch, os apoiadores se despediram de Bolsonaro hoje aos gritos de “AI-5”:
Presidente Jair Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, após ficar mais de uma hora cumprimentando apoiadores, aos gritos de “AI-5”, o ato da Ditadura que fechou o Congresso e ampliou censura. pic.twitter.com/gvt1rqNN3Z
— Matheus Schuch (@MatheusSchuch) March 15, 2020