Prova da FGV em Macaé é repleta de misoginia

Atualizado em 14 de outubro de 2024 às 22:12
Questão da prova do concurso público da Prefeitura de Macaé (RJ). Foto: Reprodução

Por Duda Quiroga e Maíra Santafé

Qual a função de um concurso público? Quando um edital é preparado, que perfil de profissional está sendo buscado? As questões de uma prova conseguem desenhar o tipo de profissional que será contratado para aquele município, estado ou órgão público? O que dizer, então, do concurso que aconteceu no dia 13 de outubro no município de Macaé?

A prova era para professores e professoras e apresentou uma série de questões carregadas de misoginia, além de preconceitos que reforçam um estereótipo de mulher antiquado, retrógrado e inaceitável em pleno século XXI.

É necessário denunciar ao Ministério Público o que se passou nessa prova. É inacreditável pensar que uma instituição como a Fundação Getúlio Vargas possa fazer provas de concurso público e apresentar questões como essas.

É preciso que haja uma investigação e uma proibição de novas provas como essa para qualquer certame.

A mais agressiva de todas as questões certamente é a que, no enunciado, diz:

Módulo “conhecimentos básicos da língua portuguesa”

“Assinale a frase que não contém uma crítica ao fato de a mulher falar demais”

Respostas:

  • Há mulheres que, quando mentem, dizem a verdade.
  • A língua é a última coisa que morre em uma mulher.
  • Há mil invenções para fazer as mulheres falarem, e nem uma só para as fazer calar.
  • A língua da mulher não cala nem depois de cortada.
  • Gosto de mulheres jovens, suas histórias são menores.
Prova do concurso público para a Prefeitura de Macaé (RJ). Foto: Reprodução

Imagine se uma de nós, mulheres, está fazendo a prova e se depara com uma questão dessas. Revolta? Repulsa? Como conter a indignação e seguir fazendo a prova, afinal, há um objetivo maior: passar no concurso e lecionar na rede municipal. Mas aí você se depara com uma nova questão:

“As frases a seguir mostram uma comparação. Assinale aquela em que a comparação é explicada.”

  • As mulheres são como robôs: têm no cérebro uma célula a menos e, no coração, uma célula a mais. A mulher é como um defeito da natureza.

Que tipo de profissional se espera selecionar com uma questão dessas?

Infelizmente, não parou por aí as questões que procuram coisificar as mulheres, reduzindo-as quase a objetos. Veja outro exemplo:

“Assinale a frase que mostra um jogo de palavras em sua construção.”

Uma das respostas:

  • Há dois tipos de esposas: a que arruma a casa e a que se arruma.

Já seria inaceitável para qualquer concurso, mas a FGV e a prefeitura de Macaé foram ainda mais longe: aplicaram uma prova com questões misóginas para pessoas que vão lecionar.

A prova não desvalorizava apenas nós, mulheres, mas a própria profissão de professor(a). Certamente todo profissional da educação que se preza luta pela valorização do magistério. Qual não deve ter sido a frustração de encontrar, numa prova, a desconstrução da carreira, como em uma das respostas de outra questão da prova, veja a seguir:

“As frases a seguir mostram um termo na forma diminutiva. Assinale a frase em que esse diminutivo tem o valor de intensidade.”

Uma das respostas:

  • O melhor método de educação para uma criancinha é arranjar-lhe uma boa mãe.
Questão do concurso público para a Prefeitura de Macaé (RJ). Foto: Reprodução

Segundo publicação na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “as provas buscam não apenas aferir o conhecimento individual, mas também permitir que a administração selecione aqueles que se mostrarem mais qualificados para assumir determinada função pública”.

Na mesma publicação, o STJ enfatiza que, pelo grau de relevância e em respeito ao princípio da isonomia, “a prova não pode ser realizada de forma livre e indiscriminada pela banca examinadora, devendo seguir, em especial, as regras e o conteúdo previstos no edital do concurso”.

Se a prova é construída por diversas pessoas e deve seguir o edital, a situação é ainda mais grave. Como questões como essas passaram pelo crivo da banca examinadora da FGV?

Diante disso, é fundamental que haja uma investigação sobre como esta prova foi construída, inclusive para que não exista a possibilidade de mais provas com esse tipo de conteúdo misógino ou com outros preconceitos serem aplicadas, seja em concursos públicos, seja nas salas de aula.

Nossa luta é todo dia.

Nós, mulheres, não somos mercadoria. Precisamos fazer com que esta denúncia chegue às autoridades competentes, para que tomem alguma providência sobre este concurso, para que não sejamos silenciadas, para que sejamos respeitadas. Para que um mundo onde todas sejamos livres seja uma realidade.

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