Punitivismo e Estado Democrático de Direito são incompatíveis e se excluem. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 6 de junho de 2018 às 8:25

Publicado originalmente na fanpage de Facebook do autor

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM, professor associado de Direito Processual Penal da UERJ

Lula e Afrânio, em evento no Rio

Ao tratar da função do processo penal, em sala de aula, costumo dizer que o Estado Democrático de Direito sabe, de caso pensado, que vai assumir o risco concreto de absolver culpados, tendo em vista as garantias legais outorgadas aos acusados em geral.

Entretanto, sabe ele, outrossim, que não pode assumir igual risco de condenar inocentes. A persecução penal ao arrepio do sistema jurídico cria danosa insegurança para toda a sociedade.

Desta forma, o Estado Democrático de Direito sai também vitorioso quando, para não desrespeitar a Constituição e o ordenamento jurídico, acaba por absolver um culpado.

Em outras palavras: todos saem ganhando quando se respeita o “devido processo legal”, quando se respeitam os princípios do processo penal democrático. Todos ganham quando o Direito ganha da sanha punitivista.

A violação do sistema de legalidade causa um dano maior e difuso do que deixar impune o criminoso. Não é valioso punir a qualquer preço.

Os melhores valores democráticos, frutoS do nosso custoso e lento processo civilizatório, não podem ser desprezados em nome de um ingênuo e messiânico combate à corrupção.

De há muito já restou demostrado que a eficácia intimidatória do Direito Penal é muito tênue, motivo pelo que ele não é o “remédio” adequado para todos os males sociais.

Ademais, a corrupção é, ao menos em parte, consequência de uma sociedade de consumo, de uma sociedade de massa, de uma sociedade competitiva, lastreada no lucro, na cobiça e no dinheiro. Vale dizer, a corrupção é mesmo inerente a uma sociedade de classes tão diferenciada como a nossa.

Por tudo isso, nada de “flexibilizar” os direitos fundamentais e sociais expressos em nossa Constituição da República.

O que estamos rogando e até exigindo é que seja respeitada a nossa ordem jurídica e que Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário se submetam ao “direito posto”, respeitem o Estado Democrático de Direito.

Será que estamos querendo demais? Será querer demais que sejamos governados por leis democráticas e não por homens voluntaristas, iluminados e autoritários?

Talvez quem manda prender indiciados para forçar seus interrogatórios, quando eles têm direito ao silêncio, não saiba ou não concorde com o que se disse acima …

Talvez quem “feche os olhos” para ilegalidades, em nome de um ilusório combate à criminalidade, não saiba ou não concorde com o que se disse acima …

Talvez quem julgue segundo o que ele desejasse que a lei dissesse e não em consonância com o que efetivamente a lei dispõe não saiba ou não concorde com o que se disse acima …

Talvez, enfim, esteja faltando espírito democrático e honestidade intelectual em nosso sistema de justiça criminal, mormente no momento em que dele se busca, cada vez mais, afastar o sistema de legalidade e ampliar o perigoso e indesejável poder discricionário.