“Obrigado e adeus.”
Essa a manchete da última edição do News of the World, um jornal de quase 170 anos.
Fazia tempo que eu não ia às bancas, mas fui e comprei o meu exemplar.
O NW foi sumariamente encerrado pela empresa que o publicava no curso de um escândalo de escutas ilegais telefônicas que vinham provocando choque e indignação em doses crescentes entre os ingleses. A história é ainda mais apimentada porque o dono é Rupert Murdoch, da News Corporation – um homem tão influente e rico quanto controvertido por seu estilo de fazer negócios e jornalismo.
Embora tenha emissoras de televisão e jornais respeitáveis como o Times, Murdoch é, basicamente, um homem de tablóide. Foi a partir de um tablóide que herdou do pai que Murdoch, australiano que hoje vive nos Estados Unidos, ergueu seu império jornalístico.
O caso do NW deveria ser estudado por todos os jornalistas em todo lugar. As questões que o caso traz valem onde quer que exista jornalismo investigativo: até onde o repórter pode ir na busca de um furo?
O NW foi longe demais. “Perdemos a direção”, admitiu o jornal em seu último editorial.
Telefones de aproximadamente 4 000 pessoas foram grampeados. Eram celebridades, políticos e membros da família real, na maior parte. Mas a sociedade ficou realmente furiosa quando soube que a escuta se estendera também a vítimas de crimes.
A caixa postal de uma garota de 13 anos assassinada foi invadida. Mensagens foram deletadas para que outras pudessem aparecer. Num determinado momento, por causa disso, a família da menina teve esperanças de que ela estivesse viva.
Como isso pôde acontecer? E será que é coisa apenas do NW? Ou os outros tablóides fazem a mesma coisa, e apenas não foram apanhados? Como restabelecer alguma ética num ambiente sem nenhuma? É possível?
Todas essas questões estão sendo debatidas.
Num programa de televisão sobre o assunto, a BBC colocou um ponto que merece também uma reflexão corajosa: a culpa não é da própria sociedade? Ninguém é obrigado a comprar tablóides. Se são altamente consumidos com sua receita básica de escândalos sexuais de gente famosa – o NW era lido por 7 milhões de pessoas – é porque estão oferecendo o que o público quer.
Em minha carreira, a melhor coisa que ouvi sobre os limites dos repórteres na busca do furo veio de JR Guzzo, que dirigiu a Veja nos anos 80 e a Exame nos 90. Guzzo, com sua enorme e inteligente praticidade, dizia que você não deveria publicar nada se depois, à luz do dia, não pudesse, sem constrangimentos, explicar como obtivera a informação.
Pela lógica guzziana, o NW jamais teria se metido numa enrascada que lhe custou, simplesmente, a vida.