O melhor documentário já produzido em muitos anos se chama “O Ato de Matar” e está concorrendo ao Oscar. Werner Herzog, gênio alemão, disse que é o filme mais surreal a assustador que ele já viu em uma década. Herzog, como sempre, está certo.
É, também, uma peça didática para nós, num momento em que justiceiros saem de suas tocas para cuidar da sua segurança sem que você tenha pedido, com conseqüências nefastas.
O cineasta Joshua Oppenheimer conta a história de Anwar Congo, herói nacional, avô, velhinho de anedota — e chefe de um antigo esquadrão da morte. Em 1965, depois de um golpe em que o general Suharto destituiu o populista Sukarno, milícias de extrema-direita se dedicaram a perseguir e matar comunistas e imigrantes chineses.
Calcula-se que em torno de 500 mil pessoas foram torturadas e eliminadas entre outubro de 1965 e o início do ano seguinte. Os massacres se espalharam da capital Jakarta até Bali e a ilha de Java. Crianças, mulheres, idosos — ninguém foi poupado.
Os assassinos foram glorificados, absorvidos pelo regime e, hoje, circulam numa boa. O grupo paramilitar Pemuda Pancasila continua na ativa como um braço armado do regime, promovendo festas com a participação de autoridades. Os livros históricos tratam os exterminadores com carinho. Nunca foram julgados.
É um filme dentro de um filme. A certa altura, Oppenheimer sugere a Anwar que faça uma reencenação de seus crimes. Anwar, como seus comparsas, é fã do cinema americano (eles eram chamados de “gângsteres”, apelido que transformaram, numa tradução oportunista, em “homens livres”). Foi em Hollywood que Anwar se inspirou para aprender a estrangular supostos comunistas com fios de arame.
Ele topa. E o resultado é uma extravagância visual digna de um Cecil B. De Mille pervertido, com cenas no “paraíso” em que vítimas encontram algozes em meio a anjos coloridos. Ao longo da fita, tem-se a impressão de que Anwar tem algo parecido com arrependimento. O simpático ancião precisa de música, dança, bebida e maconha para expiar seus pecados. Um antigo colega tenta ajudá-lo: “Você está assim porque sua mente é fraca. Isso tudo é apenas um desequilíbrio nervoso”.
Os assassinos jogam golfe e se divertem. Um deles quer que suas memórias também sejam dramatizadas. Ele era criança quando um homem — que admite, na seqüência, ser seu padrasto — foi arrastado da cama às 3 da manhã. A mulher e os filhos gritavam, desesperados. No dia seguinte, o sujeito foi encontrado ao lado de um barril. A família o enterrou na estrada “como uma cabra”. Seu relato não serve para o filme, dizem os amigos, porque faltava emoção.
Além de uma obra política, “O Ato de Matar” é uma investigação psicológica sobre o mal — daí sua grandeza. Como era se esperar, foi proibido na Indonésia, que não engoliu a indicação ao Oscar. “O país é retratado como uma nação cruel e sem lei”, disse um porta-voz do governo. “Isto não é apropriado, é sem cabimento. Deve ser lembrado que a Indonésia passou por uma reforma. Muitas coisas mudaram. A percepção das pessoas não devia ser tão influenciada por apenas um filme.”
Oppenheimer foi acusado de trair a amizade dos personagens. “Quando essa comunidade de sobreviventes me deu autorização para filmar suas justificativas e suas bravatas, eu estava tentando expor a natureza da impunidade”, disse. Expôs muito mais. Você nunca mais verá as fotos das praias paradisíacas de Bali do mesmo jeito.