Recentemente, na minha coluna no site Diário do Centro do Mundo, publiquei um texto em que faço uma crítica à postura do partido palestino Hamas de lançar milhares de foguetes (mais de 2 mil) que não possuem precisão, na direção de Israel, com o claro objetivo de atingir a qualquer pessoa do outro lado, incluindo mulheres e crianças.
Esse texto recebeu uma série de críticas, pois para alguns, já que o Hamas está atacando os invasores israelenses, o mesmo não pode ser criticado, pois está do lado dos oprimidos.
Para alguns, um oprimido não pode também oprimir. Infelizmente isso não se reflete na realidade.
Um pai de família oprimido no trabalho pelo chefe pode chegar em casa e agredir sua esposa, que pode maltratar um de seus filhos, que por sua vez pode também fazer o mesmo com os seus irmãos ou com algum colega na escola.
Na sociedade há toda uma cadeia de opressão, que faz com que as pessoas oprimam umas às outras nas mais diversas situações.
A intenção deste texto não é falar de questões mais simples como a opressão dentro de uma família e sim do terrível conflito entre o grupo Hamas e Israel na Faixa de Gaza.
Quando escrevi o texto, criticando a postura do Hamas no lançamento dos foguetes, pensei que talvez tivesse exagerado nas críticas e que o Hamas talvez não merecesse tal tratamento da minha parte. Porém, na última sexta-feira (25), Khaled Meshaal, o líder do Hamas, que reside no Catar, concedeu uma longa entrevista à BBC.
Há um trecho específico desta entrevista que eu gostaria de comentar:
BBC: O Hamas instou a população de Gaza a proteger suas casas de “peito aberto”. Isso é um ato sensato?
Khaled Meshaal: É assim que as famílias palestinas vivem. Os palestinos estão em sua própria terra. Um palestino construiu sua casa com o suor do seu próprio dinheiro. Os israelenses esperam que ele saia dela sem mais nem menos? O Hamas não dá ordens às pessoas que permanecem dentro de suas casas. O Hamas encoraja as pessoas a não ceder à pressão de Israel e mostra a cada palestino sua perseverança. […] As vítimas não devem ser culpadas. A culpa deve recair sobre Israel […]. Já são mais de 700 mortos do lado palestino. Muitos deles são civis. Enquanto isso, o Hamas se concentra em matar soldados israelenses. Essa é a diferença ética entre a resistência palestina e o ataque israelense.
Quanto a se concentrar em matar soldados israelenses, isso não se reflete nos fatos, pois os foguetes lançados contra Israel não possuem mira e não faz sentido supor que mirem em alvos militares.
Se poucos civis morrem em Israel é por conta do escudo antimísseis de Israel e não porque o Hamas não deseja matá-los.
O fato de o meu tiro não acertar uma pessoa, não significa que eu não quis matá-la.
O repórter da BBC e o líder do Hamas estão se referindo também ao fato de alguns palestinos ficarem dentro de suas casas, mesmo após terem sido advertidos pelo exército de Israel que a casa seria bombardeada.
O Hamas estaria ligando para as pessoas e dizendo para elas ficarem na casa, protegendo-a “de peito aberto”.
Pela resposta dada por Khaled, fica claro que a afirmação do repórter, por mais incrível que pareça, é verdadeira.
Não chega a surpreender que alguém que teve sua família e amigos bombardeados por Israel queira logo em seguida entrar para as brigadas Ezzedeen Al Qassam, o braço armado do Hamas, para matar israelenses ou que comemore quando um atentado à bomba em um ônibus em Israel mate 15 pessoas.
Do mesmo modo, não surpreende que muitos israelenses odeiem os palestinos e desejem sua eliminação com tantos foguetes os ameaçando e com a mídia os ensinando diariamente a odiá-los.
Mas o que é surpreendente é que o Hamas, em vez de proteger seus cidadãos, conduzindo-os a abrigos seguros, para que sobrevivam e possam ter o direito de um dia viver no tão sonhado Estado Palestino, os incentive a ficarem em casa e morrerem por absolutamente nada.
Mas que tipo de líder é Khaled Meshaal?
Como pode um líder de um povo pedir que ele morra?
O que ele ganha se famílias palestinas forem trucidadas por bombas israelenses?
Felizmente o Hamas não é o único partido, nem a única organização política na Palestina. Se assim fosse, todos os palestinos estariam perdidos e não apenas os de Gaza.
Como já disse antes, os palestinos de Gaza estão perdidos entre o sadismo de Israel e a loucura do Hamas.
Criticar o massacre promovido pelo governo israelense não fará de você um “antissemita”, pois atacar um governo não é o mesmo que atacar o povo que é governado por ele.
Do mesmo modo, criticar o Hamas não fará com que você se torne “anticausa palestina”. O Hamas existe desde 1986. A causa palestina existe desde a década de 40.
É preciso que todos os que defendem a causa palestina denunciem o massacre israelense, mas que também tenham conhecimento dos atos do Hamas.
Infelizmente alguns estão assumindo a postura de defender todos os atos do Hamas incondicionalmente e isso é muito ruim. Não podemos fechar os olhos diante do sofrimento imposto aos palestinos por Israel, mas também não podemos fazer o mesmo com o sofrimento imposto por outros palestinos. A opressão não possui uma única direção.
Por mais que seja difícil, é preciso reconhecer que o lado que defendemos também erra.