O Ministério da Saúde voltou atrás e resolveu não recomendar a vacinação para adolescentes de 12 a 17 anos que não possuam comorbidades.
No início do mês, o órgão previa a imunização do grupo a partir do dia 15, mas justificando que grande parte dos adolescentes que pegam covid têm sintomas leves ou ficam assintomáticos, decidiu recuar.
Nesta quinta-feira (16), em entrevista coletiva, o ministro Marcelo Queiroga deu algumas explicações incoerentes sobre a decisão. Uma delas é a de que 1,5 mil adolescentes apresentaram eventos adversos após tomarem o imunizante.
Queiroga também lamentou que os estados estão vacinando “rápido demais” e desrespeitando orientações do governo federal.
Segundo o epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz no Amazonas, o representante da Saúde está tentando omitir vários problemas da gestão contra a pandemia.
Para ele, o governo quer principalmente “esconder a carência de doses da vacina”.
“O ministro deu um cheque sem fundo para a população e deixou claro que sua pasta não tem condições operacionais”, diz.
A declaração sobre os eventos adversos é “bobagem”, de acordo com o pesquisador. “Mesmo que isso seja verdade, milhões de adolescentes já foram vacinados e esse número caracteriza um risco muito baixo em comparação aos benefícios trazidos pelo imunizante”.
Técnicos da Anvisa se manifestaram contra a orientação e disseram que a agência já monitora casos de efeitos adversos.
“Na realidade, Queiroga se arrependeu de não ter estabelecido uma estratégia de distribuição de vacinas ao país, e por isso usa este argumento”, afirma Orellana.
O epidemiologista avalia que o ministro “errou suas previsões e não teve capacidade de convencer a população a se vacinar”.
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“Excesso de vacinas”
Com a segunda dose atrasada em ao menos seis estados, Queiroga disse ontem que há “excesso de vacinas” no país.
A principal tática do Ministério da Saúde para omitir a escassez, de acordo com Jesem Orellana, é “retardar a segunda dose para dizer que tem mais gente protegida”.
No gráfico que mostra a porcentagem de pessoas que receberam a primeira dose nos quatro países mais desenvolvidos da América do Sul, o Brasil aparece em terceiro lugar com quase 70%, à frente da Argentina e perto dos primeiros colocados, Uruguai e Chile.
Já no esquema que mostra a população totalmente vacinada, o Brasil fica em último, com menos de 40%.
Com o surgimento de novas variantes da Covid-19, a aplicação da segunda dose se torna cada vez mais fundamental.
O governo Bolsonaro, ao que parece, não se importa muito com isso.
Queiroga responsabiliza governadores
Na coletiva de hoje, Marcelo Queiroga colocou a culpa nos governadores, reclamando que cada estado tem adotado uma política diferente de vacinação.
Segundo o ministro, os estados estariam aplicando imunizantes de outros fabricantes além da Pfizer, que é o único autorizado pela Anvisa para menores de idade.
Para o Dr. Jesem Orellana, porém, o responsável por esta situação é o próprio ministério.
“A ingerência da Saúde tem deixado muita coisa em aberto. Não há regras claras e não há uma política rígida no sentido de padronizar a distribuição de vacinas”, diz.
“Queiroga reclama que os estados estão adotando sua política quando ele é quem deveria estar organizando isso.”
O pesquisador lembra que o órgão “não criou um programa articulado com estados e municípios. Assim, os governos fazem o que devem e o ministério devolve a culpa a eles.”
Segundo ele, esse vexame acontece principalmente devido ao “enfraquecimento da pasta ao longo da gestão do governo Bolsonaro e à politização do PNI (Programa Nacional de Imunizações).”
“O governo mostrou desinteresse em administrar de forma técnica a vacinação e agora tenta esconder que faltam imunizantes. Está claro que o problema é esse”, analisa o epidemiologista.