Esta reportagem faz parte do projeto de crowdfunding do DCM sobre a Lista de Furnas. Ela está sendo republicada à luz da condução coercitiva de Dimas Toledo nesta quinta, 8 de junho, em operação da PF.
No dia 3 de fevereiro de 2016, quando depôs em delação premiada ao juiz Sérgio Moro, o lobista Fernando Moura disse que o PT manteve Dimas Toledo na diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas em 2003 por indicação do então governador Aécio Neves, que, segundo ele, passou a receber um terço da propina paga à estatal.
Atual senador e presidente do PSDB, Aécio reagiu demonstrando indignação. “Estou sendo alvo de declarações criminosas feitas por réus confessos e que se limitam a lançar suspeições absurdas, sem qualquer tipo de sustentação que não a afirmação de que ‘ouviu dizer'”, afirmou Aécio, que prometeu interpelar o lobista na Justiça.
Hoje, Aécio nega a ligação com Dimas Toledo, mas nem sempre foi assim. Em junho de 2005, Roberto Jefferson, ao falar da origem dos recursos para o mensalão, contou que um dos fatos que geraram a crise do PTB com o PT foi a manutenção de Dimas Toledo na Diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas.
Na CPI dos Correios, respondendo a uma pergunta do deputado Onyx Lorenzoni, do PFL-RS (atual DEM), ele disse que tentou nomear um substituto para Dimas, mas não conseguiu. “Eu percebi que o próprio ministro José Dirceu não queria tirar. Toda hora, ele dizia: ‘Tem muita pressão. Tem pressão do Aécio’”, respondeu.
Aécio não divulgou nota ou deu entrevista para rebater o depoimento.
Renata Lo Prete, na época editora da coluna Painel da Folha de S. Paulo, hoje apresentadora da Globonews, era a jornalista para quem Roberto Jefferson mais dava entrevistas. Na entrevista em que detonou o mensalão, Jefferson disse:
“Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do País, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves.”
Mais uma vez, Aécio não rebateu.
A Lista de Furnas, com 156 políticos da base de Fernando Henrique Cardoso que teriam recebido dinheiro desviado de Furnas, só seria divulgada alguns meses depois, e associar Aécio a Dimas antes da lista não era um escândalo. Pelo contrário. Poderia sinalizar prestígio.
Esta talvez seja a razão do silêncio do então governador de Minas Gerais à época.
Mas, à medida que surgem provas da corrupção em Furnas, mais se veem os contornos de Aécio Neves e seu papel de irmão siamês de Dimas Toledo. Aécio tem uma imagem pública que todos conhecem. Mas quem é Dimas?
Bocaina de Minas, a cidade em que Dimas nasceu, no dia 12 de outubro de 1944, é também o local da nascente do rio Grande. À medida que avança para o interior do país, o rio se torna digno do nome e, com muita água, serviu de represa para a primeira usina de Furnas.
Dimas tinha 13 anos e jogava futebol na cidade quando a estatal foi criada pelo presidente Juscelino Kubistchek, em 1957. O ex-prefeito da cidade Wilson Moreira Maciel, oito meses mais novo, conhece Dimas desde a infância, quando fizeram juntos o curso primário.
Na adolescência, jogaram futebol no mesmo time, o Bocainense, e disputaram o campeonato amador regional. Wilson era goleiro e Dimas, atacante. “Ele era magrinho. De perfil, parecia uma linha. Não sei como foi engordar tanto”, comenta Wilson.
Wilson não chegou a concluir o ginásio, e Dimas foi para a recém- criada Faculdade de Engenharia de Itajubá, onde se formaria engenheiro eletricista, numa das primeiras turmas, na mesma época em que estudou lá Adílson Primo, mais tarde presidente da Siemens do Brasil, uma das 91 empresas que apareceriam na Lista de Furnas como pagadoras de propina.
Formado, Dimas tomou o caminho inverso do curso do rio Grande e foi para o Rio de Janeiro, para seu primeiro emprego, em Furnas. O ano era 1968, quando Furnas inaugurou a primeira usina termelétrica do Brasil, Santa Cruz, e a linha de transmissão que levou mais energia para o Estado da Guanabara.
No ano seguinte, com a entrada em operação de quatro unidades da usina de Estreito e a primeira de Funil, Furnas se tornou responsável por 25% do total de energia produzida no País.
Nos anos 90, quando Dimas assumiu a Diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção, Furnas já tinha 17 hidrelétricas, duas termelétricas e 23 mil quilômetros de linhas de transmissão que levam eletricidade a mais de 60% dos domicílios brasileiros.
“Ocupei todos os cargos possíveis na estrutura hierárquica de Furnas, inclusive respondendo interinamente em algumas oportunidades pela presidência da empresa”, disse ele aos delegados Praxíteles Fragoso Praxedes e Pedro Alves Ribeiro, no dia 10 de fevereiro de 2006, num inquérito que apurou corrupção na empresa, depois que a Lista de Furnas foi divulgada.
Para quem, nos últimos tempos, se habituou a acompanhar pela televisão as operações da Polícia Federal e viu um agente japonês se transformar em celebridade, soa estranho que Dimas tenha prestado depoimento e, até agora, esse fato tenha se mantido sigiloso.
Da abertura do inquérito até a apresentação da denúncia, em 2012, passaram-se sete anos, sem que houvesse repercussão na imprensa. O inquérito mostra o tamanho do prejuízo da maior empresa brasileira do setor de energia.
Relatórios do Tribunal de Contas da União e da Controladoria Geral da União, juntados na investigação, apontam prejuízo de 72 milhões de reais, em valores atualizados, referentes a contratos celebrados por Furnas entre os anos de 2000 e 2005.
Entre as práticas autorizadas por Dimas Toledo, os órgãos de fiscalização e controle encontraram pagamentos em duplicidade ou em valores acima dos de mercado para fornecedores de serviços e obras. Na gestão dele, era difícil saber o que era público ou o que era privado em Furnas.
A Bauruense, que recebeu meio bilhão de reais entre 2000 e 2005, tinha na sua folha de pagamento o irmão do superintendente de Empreendimentos de Geração de Furnas, Éverton Martins Zveiter. Era a raposa colocando a galinha debaixo de suas patas.
Zveiter era também da Comissão de Licitação, responsável pela escolha das empresas que seriam contratadas por Furnas. Na casa do dono da Bauruense, campeã nas licitações, a Polícia Federal encontrou no dia 3 de agosto de 2006, por força de mandado judicial, R$ 1.027850,00 (R$ 1,8 milhão em valor atualizado) e US$ 356.050,00.
A Bauruense é a empresa onde, segundo o doleiro Alberto Youssef, uma irmã de Aécio Neves recolheu parte da propina por contratos de Furnas, numa divisão com o deputado José Janene.
O lobista Nílton Monteiro, o que divulgou a Lista de Furnas, disse, em depoimento, que ouviu Dimas Monteiro se gabar de que ficava com 20% do lucro líquido da Bauruense. Ficava com uma parte, porque o grosso ia para o esquema de suborno a políticos.
Não era só a Bauruense. “Os contratos em Furnas eram sempre disputados e vencidos pelas mesmas empresas, que repassavam parte dos lucros para um fundo administrado por Dimas Toledo”, disse o lobista Nílton Monteiro, que assim como Dimas seria denunciado por corrupção ao final do inquérito.
Segundo Nílton, Dimas afirmou “com todas as letras que, se os empresários não apresentassem recursos, não haveria nenhuma chance de obter contratos em Furnas.”
Em alguns casos, a contribuição poderia vir na forma de benefício a algum amigo ou parente. Entre 2000 e 2005, segundo auditoria da CGU, Furnas pagou R$ 973.696,72 (em janeiro de 2016, R$ 1.284.048,53) por serviços de comunicação para quatro empresas, a Canal Energia Internet e a CTEE, que tinha entre seus sócios Gabriel Martins Toledo e Fabiana Toledo Sermarini, filhos de Dimas.
Os outros sócios eram Rodrigo Figueiredo Ferreira e Ricardo Figueiredo Ferreira, filhos de um colega de Dimas na direção de Furnas, Celso Ferreira, responsável pela Operação do Sistema e Comercialização de Energia.
A Procuradoria da República não encontrou provas de serviços efetivamente prestados. Ao entrar como sócio na empresa Canal Energia, Gabriel, o filho de Dimas, tinha apenas 20 anos de idade e era estudante.
Quando a Polícia Federal o chamou para depor, Gabriel admitiu que nunca se envolveu com a empresa. O nome dele estava lá, mas ele não trabalhava na Canal Energia. Quem colocou seu nome e deu dinheiro para integralização das cotas de sócio foi o pai, segundo Gabriel disse à polícia.
Fabiana Toledo também admitiu que não se envolvia com a CTEE, apesar de figurar como sócia. Para ela, estar entre os sócios da CTEE, contratada de Furnas, representava “uma opção de vida” caso perdesse o emprego.
E qual era o emprego? A filha de Dimas era contratada da Bauruense, que por sua vez tinha alguns dos maiores contratos de Furnas.
“Os aspectos verificados pela CGU e TCU permitem visualizar o ambiente propício a solicitações e recebimentos de vantagens indevidas das empresas que queriam contratar com Furnas, vantagens estas custeadas por contratos superfaturados e sem fiscalização adequada, bem como a capacidade do denunciado Dimas de obter vantagens dessas empresas para fazer frente aos seus compromissos políticos, em contrapartida à sua manutenção no cargo e obtenção de parte dessas vantagens em seu próprio benefício”, define a procuradora da república Andréia Bayão, na denúncia que apresentou em 2012 à justiça federal.
Apesar de minucioso e com volumes suficientes para lotar um pequeno armário, o inquérito foi rejeitado pela justiça e encaminhado para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que o despachou para a Delegacia Fazendária, onde está parado.
Outro caso levantado pela Polícia Federal durante o período em que Dimas mandou na empresa foi a contratação da Toshiba do Brasil para construir, ao preço de R$ 270 milhões (853 milhões em valor corrigido pelo IGP-M), a Usina Termelétrica de São Gonçalo e Campos. No dia 13 de novembro do mesmo ano, Furnas assinou outro contrato, para obras na mesma usina, com a JP Engenharia, no valor de R$ 167 milhões.
As empresas atrasaram o serviço e deveriam pagar multa de R$ 8 milhões, no caso da Toshiba, e de R$ 5 milhões, no caso da JP. Mas Furnas não cobrou, com o Conselho de Administração presidido pelo pai de Aécio Neves acatando proposta de Dimas Toledo.
Toshiba e JP acabariam não executando os projetos, mas, a partir da investigação do contrato das duas empresas, a Polícia Federal acabaria descobrindo o que seria o padrão de negócio sob a administração de Dimas Toledo.
Antes de obter o contrato milionário de Furnas para construir as usinas, a JP e Toshiba contrataram empresas de fachada para prestar serviço de intermediação e de consultoria técnica.
Intertel e BCE foram contratadas pela Toshiba por R$ 25,5 milhões e a mesma Intertel, juntamente com a Compobrás, assinou contrato de R$ 29 milhões com a JP Engenharia.
A Polícia Federal foi até o endereço fornecido por elas e encontrou salas vazias. No entanto, com a quebra do sigilo bancário, se descobriu que essas empresas tinham movimentação financeira milionária. Uma delas, a Intertel, chegou a movimentar R$ 81 milhões no ano de 2001, o que representa R$ 234 milhões em valores corrigidos.
Em depoimento, o superintendente administrativo da Toshiba, José Antônio Csapo Tavalera, confirmou o pagamento de propina à direção de Furnas. Ele disse que o tema era tratado abertamente em reuniões na empresa.
Segundo Tavalera, os valores cobrados por Furnas já traziam “embutidos os percentuais destinados ao pagamento de propinas para a diretoria da estatal e alguns políticos”.
Em 20 de dezembro, quando finalizava uma das últimas reportagens desta série, recebo um e-mail de Renato Freire, que mais tarde vim a descobrir que se trava de um empresário que fez negócios com Dimas Toledo.
“Joaquim, se você realmente quer chegar a fundo sobre a lista de Furnas, você tem que investigar o Sr. Dimas Toledo”, começava ele. Renato sugeria ir a Bocaina e descobrir como duas propriedades de lá passaram para os domínios de Dimas, um galpão na entrada da cidade e a fazenda Jacuí, num município vizinho, Liberdade.
Também dava uma relação de nomes que operam para ele e sugeria pesquisar a propriedade de imóveis em Resende, no Estado do Rio de Janeiro, 50 quilômetros de distância de Bocaina.
Em Resende, a mulher de Dimas é sócia de um escritório de advocacia e dona de uma imobiliária, tantos são os imóveis que a família tem para administrar. Em Bocaina de Minas, o galpão na entrada da cidade está em nome de Gabriel Toledo, sócio também de um laticínio. A fazenda Jacuí é do filho que leva o seu nome e é deputado federal pelo PP.
Renato disse que tanto o galpão quanto a fazenda eram dele e foram vendidos a preço muito abaixo do mercado. Como compensação, ele obteve contrato como terceirizado da empreiteira Odebrecht, contratada por Furnas, para a construção de usina no rio Madeira, em Rondônia.
Renato Freire também teve máquinas pesadas, como tratores, que eram alugadas para a construtora Delta, titular do contrato de pavimentação da estrada que liga Bocaina de Minas a Liberdade, numa distância de aproximadamente 20 quilômetros.
O mais importante da história é que a pavimentação da rodovia foi contratada pelo governo de Minas Gerais, quando Aécio era o governador, mas quem colocou Renato no negócio teria sido Dimas Toledo.
Renato diz que se recusou a pagar propinas e começou a ter prejuízo. Foi obrigado a abandonar Rondônia e teve que vender suas máquinas em Bocaina.
Dimas é quem mexeu os pauzinhos e entram em cena dois parentes do então governador de Minas, Tancredo Tolentino, o Kedo, aquele que foi preso por negociar com um desembargador, nomeado por Aécio Neves, um habeas corpus para tirar da cadeia dois homens presos em flagrante por tráfico.
O outro parente de Aécio que negociou com Renato é Frederico Pacheco de Medeiros, conhecido como Fred, que foi secretário de Aécio. Segundo Renato, os três se reuniram na fazenda de Fred em Cláudio, a cidade de Aécio, e Kedo negociou em nome da construtora Engetostes, que é de parentes de Kedo e tem sede em Cláudio. A Engetostes ficou com as máquinas de Renato por R$ 1 milhão, mas não teria quitado todas as parcelas.
Localizei o então prefeito de Bocaina de Minas, Wilson Moreira Maciel, que hoje mora em Cachoeira Paulista, e ele confirmou que Renato tinha mesmo uma empresa que fazia a locação de máquinas e era dono de um galpão. Segundo o ex-prefeito, Renato também foi secretário de administração, “durante um período muito pequeno”: 45 dias, segundo o próprio Renato, tempo suficiente para ele descobrir irregularidades na gestão anterior e ser pressionado a deixar o cargo. Quem o pressionou? Dimas.
Depois do primeiro e-mail, no dia 20 de dezembro, troquei mais 47 mensagens com Renato, mas ele cessou o contato na quinta-feira da semana passada, por temer pela segurança da sua família.
“Tenho informações pra você derrubar o Dimas, que é um cara de R$ 100 milhões e pode chegar no Aécio, que é um cara de R$ 10 bilhões, e eles podem me destruir… Já te passei mais informações do que devia”, disse ele.