Publicado no Brasil de Fato
Por Paulo Motoryn
O coronel da reserva do Exército Antônio Elcio Franco, que ocupou o cargo de secretário-executivo do Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello de junho de 2020 a março de 2021, foi responsável pelas negociações com fabricantes para a compra de vacinas contra a covid-19.
Convocado para depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado nesta quarta-feira (9), o militar teve uma gestão marcada pela truculência e pela falta de diálogo. Além do insucesso na negociação com a empresa farmacêutica Pfizer, acumulou episódios simbólicos, como o destrato a um garçom de seu gabinete e o uso de um broche com uma “faca na caveira” em seu terno.
Sua convocação foi solicitada pelos senadores Alessandro Vieira (Rede-SE), Eduardo Girão (Podemos-CE), Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Rogério Carvalho (PT-SE).
Em seu requerimento, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) atribuiu a Franco o fato de o Ministério da Saúde só ter apresentado um Plano Nacional de Vacinação após exigência do Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2020.
“Mesmo com a demora, o plano era falho. Apresentava diversos pontos em aberto e foi alvo de críticas de cientistas cujos nomes apareciam como responsáveis pela elaboração do documento, que afirmaram não terem sido consultados antes da publicação”, afirmou.
Em requerimento conjunto, os petistas Humberto Costa e Rogério Carvalho disseram que, “como secretário-executivo do Ministério da Saúde, o convocado era tomador de decisão relevante em relação às ações e omissões do governo federal na pandemia”.
Quem é Élcio Franco
O presidente Jair Bolsonaro nomeou Elcio Franco como secretário-executivo do ministério da Saúde em 4 de julho de 2020. Ele entrou no lugar de Eduardo Pazuello, que assumiu interinamente o comando do ministério, substituindo o ex-ministro Nelson Teich. Desde o mês anterior, o coronel já era secretário-executivo adjunto.
Oficial do Exército por 39 anos, foi para a reserva em março de 2019. Na Força, se tornou mestre em operações militares e ciências militares e atuou nas operações de segurança e defesa dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Também ocupou o posto de subcomandante e chefe do Estado-Maior da Força de Pacificação no Complexo de Favelas da Maré, em 2014, no Rio. De 2017 a fevereiro de 2019, teve cargo de assessor no ministério da Defesa.
Em sua página no LinkedIn (rede social de contatos profissionais), descreve sua trajetória da seguinte forma: “Exerci funções inerentes a um Oficial do Exército e Gestor Público, com formação acadêmica conciliada à militar e às experiências da caserna: liderança-docência-gestão financeira-patrimonial-de segurança-recursos humanos-projetos-contratos-aspectos jurídicos-cenários prospectivos-planejamento estratégico etc.”.
Em abril de 2019 – seu primeiro mês como reservista -, foi nomeado assessor e subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil do governo do Estado de Roraima, cargo que ocupou por menos de dois meses. Depois, foi posto no cargo de secretário de Saúde da gestão estadual, onde permaneceu por três meses.
A experiência ocorreu sob o comando do governador Antônio Denarium (PSC). Eleito em 2018 com o apoio do então candidato a presidente Jair Bolsonaro (então no PSL, atualmente sem partido), o político já assumiu o cargo em 10 de dezembro do mesmo ano, após ter sido nomeado interventor federal pelo então presidente Michel Temer (MDB), após afastamento da então governadora, Suely Campos (PP).
O ex-secretário-executivo da Saúde coronel Élcio Franco. Na ocasião desta foto, ele usava um punho com uma faca vermelha ao invés de uma faca na caveira em sua lapela / Agência Brasil
Durante a intervenção federal em Roraima, um dos homens de confiança de Denarium nas Forças Armadas para a gestão pública era o futuro chefe de Franco, o general da ativa Eduardo Pazuello. O então futuro ministro da Saúde ocupou o cargo de secretário da Fazenda do governo de Roraima de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019.
As passagens de Franco e Pazuello no governo Denarium em Roraima foram separadas, por tanto, por um intervalo de dois meses. Mesmo assim, como o general seguiu atuando como consultor da prefeitura de Boa Vista (RR) nos meses seguintes à sua saída da secretaria estadual, os dois se aproximaram. Fizeram parte do que, depois, já no Ministério da Saúde, foi chamada de a “turma de Roraima”. Enquanto atuavam no ministério, o governo federal brasileiro distribuiu 100 mil unidades de cloroquina para indígenas em Roraima.
O grupo de ex-integrantes do governo estadual roraimense é composto ainda, entre outros, pelo marqueteiro Marcos Eraldo Arnoud Marques, conhecido como Markinhos Show, e pelo ex-deputado federal e nomeado secretário de Saúde de Roraima após passagem pelo governo federal, Airton Cascavel (PPS).
Na gestão de Pazuello na Saúde, o coronel Franco estava “em casa”, não só pela presença dos antigos colegas com quem trabalhou no poder público no norte do Brasil, mas também pela presença de oficiais das Forças Armadas. Um dia após sua nomeação, em 5 de junho de 2020, o jornal “Correio Braziliense” mostrou que já eram 25 os militares nomeados no Ministério da Saúde desde a saída do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, meses antes.
Incompostura com garçom e faca na caveira na lapela
Durante uma reunião por videoconferência em que Elcio Franco fazia um pronunciamento como representante do ministério da Saúde, em julho do ano passado, ocorreu um episódio que se tornou emblemático da gestão do coronel na secretaria executiva. Em cena gravada e veículada na TV e na internet, o coronel se irrita com um garçom que entra no recinto no meio do pronunciamento.
Ele interrompe sua fala, gesticula, recebe auxílio de uma outra assessora para tentar fazer com o funcionário deixe o quanto antes o ambiente, até que se impacienta e grita: “Sai daí! Eu falei ‘sai’! O que você não entendeu?”. Por fim, tenta continuar o discurso.
Quando atendeu a imprensa em entrevistas coletivas na sede do ministério, ele fez questão de ostentar um broche no formato de uma faca atravessando um crânio na lapela de seus paletós, ou então outro de um punho segurando uma faca de lâmina vermelha.
Os símbolos têm caráter militar. O site do Exército Brasileiro diz que a faca na caveira significa que o trabalho das tropas é vencer a morte e conquistá-la. A imagem foi popularizada pelo personagem capitão Nascimento, interpretado pelo ator Wagner Moura no filme “Tropa de Elite”, que ostenta a marca do Bope, batalhão da polícia do Rio de Janeiro, composta pelos mesmos dois elementos. Na obra, os policiais ainda utilizam a expressão “faca na caveira” como ode à força e à rigidez do batalhão no combate ao crime.
Condução da aquisição de vacinas
Em 19 de maio, o Brasil de Fato mostrou que o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, não foi recebido pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em sua única visita à sede da pasta em Brasília em 2020, em 22 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o representante da farmacêutica norte-americana fez reunião com Elcio Franco.
Carlos Murillo comandou a matriz brasileira da empresa farmacêutica até novembro de 2020. O encontro no ministério da Saúde constava na agenda oficial do nº 2 de Pazuello, agendado para às 14h – e foi confirmado no depoimento do executivo na CPI da Covid. A informação foi retirada do ar no site da pasta.
A confirmação da data e o horário da visita, no entanto, foram obtidas por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). De acordo com a lista de visitantes da sede do ministério no ano passado, o executivo da Pfizer entrou no prédio uma única vez em 2020, às 13h58, justamente no dia 22 de dezembro.
Murillo afirmou que Elcio Franco o apresentou a Pazuello. O ministro, por sua vez, apenas o cumprimentou, e não participou da reunião. O executivo afirmou ainda que, durante as negociações, tratou “somente com a equipe técnica do ministério”.
“Nessa ocasião [22 de dezembro], o Sr. Elcio Franco apresentou a mim o ministro Pazuello. Nós nos cumprimentamos, e ele falou que, agora que estávamos avançando, o que precisávamos era contar com mais doses para o Brasil. Eu respondi que nós tínhamos esse compromisso de continuar procurando mais doses para o Brasil”, afirmou Murillo.
Procurada pelo Brasil de Fato para falar sobre o tema, a Pfizer não respondeu se a expectativa da equipe era a de que a reunião fosse realizada com a presença do ministro. A empresa afirma que não vai se manifestar sobre o andamento das negociações para o fornecimento de vacinas contra a covid-19 para o governo brasileiro.
A estratégia de Pazuello de não participar do único encontro com o principal executivo da farmacêutica norte-americana no Brasil dentro do ministério não gerou o resultado de trazer vacinas ao país. Um mês depois da reunião com Elcio Franco, a negociação desandou.
Em 23 de janeiro, o governo divulgou nota oficial confrontando a Pfizer sobre o recebimento de uma carta enviada por Carlos Murillo – e entregue à CPI da Covid pelo ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten na semana passada.
No comunicado, a pasta afirmava que “as doses iniciais oferecidas ao Brasil seriam mais uma conquista de marketing, branding e growth para a produtora de vacina, como já vem acontecendo em outros países. Já para o Brasil, causaria frustração em todos os brasileiros, pois teríamos, com poucas doses, que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”.
Na mesma data, Eduardo Pazuello afirmou que o Brasil não havia fechado acordo com a Pfizer, pois a empresa teria apresentado condições “leoninas”, o que teria dificultado o acordo, no que foi desmentido pelo executivo da empresa na CPI.
Questionado pelo senador Humberto Costa se concordava com esse tipo de avaliação, Murillo disse taxativamente: “Não concordo”. Em outro momento da sessão, o executivo afirmou que o Brasil provavelmente poderia ter iniciado a vacinação ainda em janeiro deste ano, caso as negociações com sua empresa tivessem avançado naquele momento.
O CEO da farmacêutica declarou que a primeira reunião realizada com o governo brasileiro sobre aquisição de vacinas ocorreu em maio de 2020, mas foi somente em março deste ano o Brasil fechou acordo com a farmacêutica para fornecimento dos imunizantes, sem qualquer grande alteração nas supostas “cláusulas leoninas” aventadas por Pazuello. No momento, estão assinados dois contratos que determinam a entrega de 200 milhões de doses de vacinas da Pfizer ao Brasil.
Ainda de acordo com o dirigente da Pfizer, caso o Brasil tivesse agilizado o acordo, já teria recebido, até o dia 1º deste mês,18,5 milhões de doses e, segundo o suposto cronograma traçado pela empresa, as primeiras unidades teriam sido entregues no país em dezembro de 2020. A primeira aplicação de vacina no Brasil ocorreu no dia 25 de janeiro de 2021, fabricada no Instituto Butantan, em São Paulo.