Quem não tem Rubem Fonseca, caça com Olavo de Carvalho. Por Moisés Mendes

Atualizado em 9 de fevereiro de 2020 às 8:27
Olavo de Carvalho e Rubem Fonseca. Foto: Wikimedia Commons/Divulgação

Publicado originalmente no blog do autor

O escritor Rubem Fonseca, autor de 18 dos 43 livros considerados perigosos pelo governo de Rondônia, trabalhou para a ditadura. E trabalhou muito, em tempos analógicos, numa área muito cara hoje aos tempos virtuais da propaganda do bolsonarismo.

Fonseca fazia propaganda. Produzia textos para o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o IPES, uma organização mantida pelo alto empresariado. Ajudava a disseminar orientação ideológica misturada a informações que induziam a população ao terror e ao pânico.

Se os milicos não agissem, o comunismo tomaria conta do Estado, das propriedades e das vidas. Fonseca era muito ligado ao poderoso Golbery do Couto e Silva e respeitado pela capacidade de instigar e refletir como antiesquerdista. E já naquele tempo, como ficcionista, também foi censurado por seus antigos amigos de golpe.

Hoje, as estruturas do bolsonarismo dispensam essa sofisticação. Em substituição aos intelectuais reacionários requisitados pelos militares para produzir pregações com algum fundamento, hoje temos os amigos do Carluxo trabalhando na disseminação de fake news e besteiras.

Estão certos os que disserem que Fonseca foi um grande escritor, com texto cortante, talvez o mais afiado da literatura realista de exposição da violência dos anos 70. A escrita seca e a narrativa direta fizeram escola, principalmente em contos.

‘Feliz Ano Novo’ e ‘Lúcia McCartney’ são livros decisivos para a compreensão de um tempo em que a bandidagem, os bacanas e as ditas deformações sociais tinham outro perfil. É literatura de primeira. Em 1994, a Companhia das Letras reuniu suas histórias curtas na antologia Contos Reunidos.

Os milicos gostavam de Rubem Fonseca como colaborador anticomunista (também foi delegado), mas não como escritor, porque o consideravam um depravado interessado apenas em assassinatos, sangue, sexo e misérias humanas. O bolsonarismo o trata agora da mesma forma.

A extrema direita não faz concessões aos seus, quando se sente ameaçada por expressões que não controla, como a arte que contradiz ideologias. Fonseca era um funcionário prestativo pró-ditadura, mas transgressor como artista.

Uma grande diferença entre a turma que trabalhou com certa discrição para a extrema direita lá nos anos 60 e 70 é que os milicos e os empresários tinham um Rubem Fonseca, e Bolsonaro e seus milicianos têm um Olavo de Carvalho.