Quem tem voto é o eleitor. Por Artur Araújo

Atualizado em 17 de outubro de 2018 às 23:53
Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL. (Fotos: Nelson Almeida/AFP)

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR ARTUR ARAÚJO, administrador hoteleiro, ex-diretor da Embratur, é consultor em gestão pública e privada

A pouco mais de dez dias da segunda ida à urna e, segundo pesquisas, ainda vários milhões de votos atrás do 17, a campanha Haddad/Manu tem que ser conduzida por uma obviedade: é na conquista de muitos eleitores, particularmente aqueles que não votaram 13 no primeiro turno, que reside a possibilidade de derrota eleitoral de Bolsonaro.

É momento de pragmatismo com senso de urgência, portanto também de pouca escrita e muita ação. Por isso, minha contribuição foca em tópicos que me parecem ser essenciais para a grande tarefa da hora: virar votos.

Falo em virar votos como centro das preocupações porque não creio que  o “pulo do gato” da virada esteja nos eleitores que não votaram, que votaram em branco ou anularam seus votos no primeiro turno. Os índices de nulos e brancos estão muito próximos das médias históricas, refletem uma opção tradicional de parte do eleitorado; boa parte das abstenções são oriundas de “cadastro podre”, registros falhos que não refletem o número real de pessoas aptas a votar.

Outra armadilha a evitar é a supervalorização das “ações por cima”, em detrimento da concentração total de esforços e tempo na “catequese em baixo”. Por mais corretas e necessárias que sejam todas as iniciativas de ampliação político-partidária da candidatura de Haddad, extrapolando em muito o âmbito de sua coligação, é ilusório imaginar que daí virão votos aos milhões. A constituição de um enorme movimento democrático, antibarbárie e de defesa de direitos é, sim, fundamental, mas seu efeito imediato é muito mais de imagem e de inversão de “clima” do que efetivamente “virador” do voto popular do dia 28.

Bolsonaro tem um flanco frágil no voto feminino, ainda que pesquisas apontem estancamento de suas perdas nesse “segmento” que é mais de metade dos votantes. Passa da hora de dar muito destaque e garantir muito protagonismo a Manuela D’Ávila. Manuela é um “veículo” perfeito para criar empatia e abrir corações e mentes das mulheres, conectando a campanha com as aspirações, desejos e interesses da maioria das brasileiras. Manuela é síntese de uma chapa que valoriza um Brasil em que as mulheres são decisivas para a vida das famílias e das comunidades em que vivem, além de provedoras decisivas de renda e segurança.

A grande fragilidade da aparente carapaça do capitão, no entanto, está muito mais à vista: é o que ele propõe para a vida material cotidiana do eleitor com renda familiar abaixo de cinco salários mínimos. Os dirigentes da campanha do 17 sabem tão bem disso que vêm acrescendo ao discurso da Ordem, com o qual construíram o ascenso da candidatura, propostas cínicas, improvisadas e demagógicas. O “Super Bolsa Família com 13º. mas com cancelamento do abono salarial” é o exemplo mais claro.

A enorme cautela deles com a reforma da Previdência – que, infelizmente, Haddad não tem tido e tem que ter – é outra evidência dessa percepção. Apesar de constituir uma das principais vértebras do programa econômico do “posto Ipiranga”, a deforma das aposentadorias é tratada como um “terceiro trilho do metrô”, que eletrocuta quem o toca. Foi o único ponto essencial do programa do golpe que os golpistas não conseguiram emplacar, graças ao murmúrio espontâneo da desorganizada resistência da maioria dos brasileiros, nada dispostos a perder segurança na velhice em nome de um hipotético e mítico “equilíbrio fiscal”.

O confronto direto entre o que propõem Haddad e Manuela para o dia a dia do eleitor e o que Bolsonaro esconde ou disfarça tem que ser o centro da comunicação com as multidões. Propostas críveis, inteligíveis, emocionantes, muito práticas, devem ocupar o volume máximo de programas de rádio e televisão. Sua “viralização” nas redes sociais e nos aplicativos de comunicação interpessoal é tarefa decisiva.

A necessária “desconstrução” da candidatura do atraso e da violência tem que ser feita, essencialmente, pela via da denúncia do que Bolsonaro vai fazer com os empregos, com os salários, com os serviços públicos, com a rede de proteção social, com os direitos trabalhistas, com as riquezas nacionais. E tem que ser concomitante com a divulgação em massa das soluções que Manuela e Haddad adotarão de imediato, assim que ocuparem a vice-presidência e a presidência da República, todas favoráveis às famílias e aos trabalhadores, empregados ou não.

A maioria dos eleitores, no primeiro turno, foi conduzida a se concentrar nos temas da segurança pública, da “moral e bons costumes” e do “homem forte providencial”. “Desconstruir” Bolsonaro nesse território é tarefa para muito mais tempo do que as três semanas entre um turno e outro, até porque a linha de campanha do capitão tem por base um senso comum arraigado e alimentado por mecanismos muito próximos do eleitorado popular, com destaque para várias denominações religiosas neopentecostais. Já nas propostas econômicas e sociais o capitão caminha sobre areia movediça e é nesse terreno que é possível tragá-lo para o fundo.

É no bolso das eleitoras e eleitores, é nos interesses materiais ameaçados por Bolsonaro, que se encontra a porta de acesso aos milhões de votos que virarão as eleições e salvarão o Brasil e os brasileiros de um futuro cruel. E é só convencendo o eleitor e a eleitora que Bolsonaro não lhes serve à vida real que se viram votos para virar o resultado.

Afinal, só mesmo o eleitor tem voto e é dono dele.