Racismo está em alta 20 anos após atentado neonazista na Alemanha

Em 9 de junho de 2004, uma bomba recheada de pregos explodia em uma rua de Colônia cheia de imigrantes turcos e curdos. Autoridades logo descartaram motivação racista do crime – e passaram a acusar as vítimas

Atualizado em 9 de junho de 2024 às 22:58
A Keupstrasse, no distrito de Köln-Mülheim, após o atentado neonazista em junho de 2004. Foto: picture-alliance/dpa/F. Gambarini

Faltava pouco para as 16h do dia 9 de junho de 2004 quando a movimentada rua Keupstrasse, no bairro de Müllheim, em Colônia, foi abalada por uma explosão violenta. Uma bomba de pregos havia sido detonada em frente ao salão de um cabeleireiro de origem turca, desencadeando um incêndio e destruindo o entorno.

Vinte e duas pessoas ficam feridas, quatro delas gravemente.

Por sorte, ninguém morreu. Mas muitas vítimas – mesmo as que saíram fisicamente ilesas dali – foram traumatizadas por muito tempo – em parte, também por causa da atuação das autoridades que investigaram o caso.

O contador Ali Demir foi uma das primeiras testemunhas a depor à polícia.

O contador Ali Demir em seu escritório. Foto: Tuncay Yildirim/ DW

“Quando a bomba detonou, eu estava sozinho no meu escritório na Keupstrasse”, relata à DW. “Quando o vidro estilhaçou, me joguei no chão. Pensei que fosse só gás. Do lado de fora, as pessoas gritavam. A explosão aconteceu enquanto as crianças estavam saindo da creche. O objetivo era matar as crianças e seus pais.”

Suspeita generalizada contra imigrantes e suas famílias

Um dia após a explosão, o então ministro do Interior da Alemanha, Otto Schily, declarou que as investigações das autoridades de segurança não indicavam um contexto terrorista, mas sim “um ambiente criminoso”, e que o crime na verdade teria sido motivado por uma disputa de poder dentro da própria comunidade de imigrantes.

Ao serem interrogadas, as testemunhas foram questionadas, entre outras coisas, se tinham dívidas, se tinham seguro e se havia rivalidades na Keupstrasse.

“Eu conhecia todos os comerciantes na rua. Não havia rivalidades”, diz Demir.

A declaração de Schily surpreendeu a todos na época, relembra o contador. Para ele, a rua inteira foi criminalizada, e a fala do ministro só piorou a situação. “A polícia fez batidas na rua, acusou os donos de lojas.”

Sob suspeita generalizada estavam turcos, curdos e alemães de origem turca. Afinal, eram seus estabelecimentos – restaurantes, joalherias e sapatarias, salões de cabeleireiro – que caracterizavam a Keupstrasse ao longo de seus cerca de 900 metros de extensão, algo que continua assim até hoje.

A hipótese inicial de que o atentado pudesse ter sido cometido por militantes da extrema direita logo foi descartada. Somente em novembro de 2011, mais de sete anos depois, o ataque foi oficialmente atribuído à célula terrorista neonazista NSU – um “erro grave” que o ministro Schily só então reconheceria.

“Sem espaço para nazistas”, lê-se em banner que decora o entorno da rua Keupstrasse: bairro lembra o atentado todos os anos. Foto: picture-alliance/dpa/R. Pfeil

Vinte anos depois, algumas perguntas continuam sem resposta

Para Kemal Bozay, professor de ciências sociais na Universidade Internacional de Colônia e membro do Centro de Pesquisa e Prevenção de Radicalização, os políticos foram indiferentes.

“Embora os ataques do NSU entre 1998 e 2011 tenham inicialmente causado muitos debates na política e na sociedade alemã, isso não levou a grandes mudanças na política”, critica Bozay.

Segundo ele, apesar de em 2011 ter ficado claro que o NSU estava por trás do atentado, muitas questões permanecem sem resposta até hoje, e o caso ainda não foi totalmente esclarecido, apesar de essa ter sido uma promessa da então chanceler federal Angela Merkel às famílias das vítimas.

Presidente da associação que representa as vítimas da Keupstrasse, Meral Şahin também está resignada: “Não mudou muita coisa. Alguns políticos vieram, posaram para fotos e foram embora. Estamos sozinhos de novo, mas pelo menos não somos mais suspeitos.”

Meral Şahin, presidente da associação que representa as vítimas do atentado da Keupstrasse. Foto: Privat

Memória viva

O distrito de Mülheim em Colônia não foi escolhido por acaso pelos terroristas do NSU. Cerca de um terço dos moradores é imigrante ou descende de imigrantes. E a rua Keupstrasse é um dos centros da vida turca em Colônia.

O atentado inspirou artistas, como o rapper germano-turco Eko Fresh, que em 2014 lançou uma música intitulada “Es brennt” (“Está queimando”), ou o renomado diretor Fatih Akin, com seu filme “Em Pedaços”, de 2017, que ganhou o Globo de Ouro e o Critics’ Choice Movie Awards como melhor filme estrangeiro.

Racismo em alta

Há dez anos o atentado é lembrado pelo festival cultural Birlikte, em um sinal contra o ódio.

“É um ataque terrorista. Claro que não celebramos este ataque, mas tentamos criar uma atmosfera festiva. Assim, as pessoas vêm até nós e conhecem nossa rua”, explica Şahin.

Rua Keupstrasse cheia em dia de festival que lembra o atentado terrorista. Foto: picture-alliance/dpa

O sociólogo Bozay vê uma certa mudança de consciência na Alemanha desde a descoberta dos assassinatos do NSU. “Pode-se dizer hoje que a sociedade alemã desenvolveu uma consciência sobre o NSU e o racismo. Após os ataques e assassinatos, surgiu uma sensibilização na Alemanha sobre o extremismo de direita e o racismo. Em comparação com o passado, hoje se fala mais sobre o perigo do racismo e da violência de extrema direita.”

Ao mesmo tempo, ele lembra que “racistas” continuam a se encontrar e planejar a remigração, e que há jovens alemães ricos cantando entusiasticamente “fora, estrangeiros”. “Esses são indícios claros de que as tendências racistas estão cada vez mais fortes”, diz Bozay. “Isso leva a mais divisão e perda de confiança na sociedade. As comunidades de imigrantes estão cada vez mais temerosas.”

Publicado originalmente no DW.

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