O evento potencialmente alienante para alguns, empolgante pra outros e que de outros ainda só tem conseguido apatia – a Copa do Mundo – reacendeu uma discussão que vem crescendo no meio futebolístico: a homofobia.
Além de uma cultura conservadora, o país sede tem uma lei que proíbe afeto LGBT em público (tente ler “lei que proíbe afeto” sem alguma indignação e falhe), transexuais não podem dirigir e as paradas são marcadas por uma polícia truculenta.
A Rússia foi considerada em 2017 o quarto país, entre 49 Estados europeus, com mais violações de direitos e discriminação de cidadãos LGBT, segundo a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (ILGA, na sigla em inglês).
Desde o início da Copa tem sido promovida por torcedores no mundo inteiro a campanha ‘Rainbow cup’, que consiste em usar a tag #RainbowCup em todas as publicações relacionadas ao torneio nas redes sociais e em cartazes nos estádios como enfrentamento às leis homofóbicas da Rússia.
A discussão é ampliada, inevitavelmente, para a questão da homofobia no futebol de modo geral.
O futebol nunca foi um lugar exatamente confortável para as minorias.
Casos de racismo não são incomuns, o machismo é evidente e a questão da homofobia é ainda mais notável porque surge daquela macheza arcaica da turma do churrasco-futebol-e-mulher: estádio ainda é visto por muitos como “lugar de macho” (que eu, pessoalmente, não gosto de frequentar desacompanhada).
A ligação culturalmente estabelecida entre futebol e masculinidade é nociva em vários aspectos: cria um ambiente machista para as mulheres – vide a invisibilidade da seleção feminina de futebol e os casos frequentes de machismo contra jornalistas esportivas e torcedoras -, e, sobretudo, para jogadores e torcedores gays, de modo que a discussão sobre homofobia no futebol é inadiável – e para essa discussão, a Rússia veio a calhar.
A homofobia contra a qual protesta a campanha #RainbowCup não pertence apenas à Rússia: pertence ao meio futebolístico e, em última análise, à mentalidade das torcidas.
Em 2013 a discussão foi aquecida no Brasil, quando torcedores criaram a Galo Queer, uma página no Facebook que reúne torcedores alvinegros com uma postura anti-homofobia e anti-sexista, o que motivou outras torcidas – São Paulo, Náutico, Bahia, Cruzeiro e outros – a fazerem o mesmo.
A discussão sobre diversidade no futebol tem encontrado, entretanto, ainda muita resistência entre os torcedores: Emerson Sheik, por exemplo, foi motivo de protesto em frente à sede do Corinthians depois de postar uma selfie beijando seu empresário, de quem declara ser amigo – olha a rinite nesse armário empoeirado, Sheik!
A maciça cultura do macho no futebol tem poucas, mas são solitárias vozes que a enfrentam.
Ainda impera com uma força violenta, fazendo com que jogadores precisem esconder seus afetos e sua vida privada, e, ainda, com que estádios – “lugar de homem”, dizem os torcedores – não tenham espaço para a liberdade e a diversidade.
A discussão da Copa do Mundo não deve ser sobre a homofobia dos russos: deve ser sobre a homofobia dos torcedores.