Por Moisés Mendes
Alexandre Ramagem não é um Anderson Torres e muito menos um Mauro Cid. Torres e Cid eram instrumentadores alcançando ferramentas de trabalho para Bolsonaro e os chefes do golpe e das maracutaias palacianas.
Torres cuidava da minuta do golpe e de outras atividades de suporte irrelevantes. Cid tratava da interlocução com os que iriam ajudar no trabalho sujo da muamba e dos atestados de vacina, além de pagar as contas de Michelle. No esquema do golpe, ambos eram pouco mais do que dois zeros.
Não há nada que indique até agora que Torres e Cid tivessem algum protagonismo na estrutura golpista. Eram mandaletes muito bem mandados, mas apenas isso.
Não há nada que mostre que Torres, como delegado da Polícia Federal, tenha feito algo importante usando a estrutura da PF em favor do golpismo, além de levar e trazer minutas. Assim como tudo o que se sabe de Mauro Cid indica um trabalho subalterno de quinta categoria.
Ramagem, não. Ramagem tinha a mais poderosa estrutura de monitoramento de inimigos e amigos e, pelas informações disponíveis até agora, criou compartimentos que confundiam o que era oficial e o que era paralelo na Abin. O delegado Ramagem poderia saber da vida de todo mundo.
Só que, quando se descobre agora o que a estrutura da agência fazia, acaba sendo descoberto também que Ramagem agia com a cautela dos arapongas. Ramagem gravava conversas. E grampeou Bolsonaro.
Foi no dia 25 de agosto de 2020, em reunião no Planalto com Bolsonaro e o então ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, na presença de uma advogada do senador Flavio Bolsonaro.
O assunto: Ramagem, como diretor da Abin, deveria arranjar um jeito de sabotar a investigação da Receita Federal envolvendo as rachadinhas do filho senador e gestor da dinheirama da família. Alguns auditores deveriam ser afastados dos cargos, o que acabou ocorrendo.
Por que gravar a conversa? Talvez como precaução, para o que poderia vir depois. Membros de facções gravam encontros, para usar seus conteúdos contra seus interlocutores ou para terem como atenuantes dos crimes cometidos. Um araponga será sempre um araponga.
Mas é de se perguntar como essas provas são mantidas em casas e escritórios, permitindo que sejam descobertas pela PF. Como aconteceu com a minuta do golpe na casa de Anderson Torres e agora com o áudio da conversa de Ramagem com Bolsonaro.
A conclusão mais óbvia é a que sugere o sentimento de total impunidade dessa gente, mesmo que todos eles tenham sido mandados embora do poder depois da eleição.
Ramagem, Torres, Mauro Cid e outros achavam que nunca teriam suas vidas devassadas. A maioria deles acha que, mesmo cercados e derrotados, vão escapar, como sempre escapam.
O problema de Ramagem agora é com Bolsonaro, Flavio e a família toda, que vinha carregando nas costas sua candidatura fajuta à prefeitura do Rio. Ramagem tem outras gravações?