Reação histérica de Weintraub a protesto pacífico mostra o colapso do Brasil

Atualizado em 24 de julho de 2019 às 23:58
Imagem: reprodução

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POR FRANCESC BADIA

O Estado de direito se degrada dia após dia no Brasil, de forma escancarada. Em alguns estados do norte do país, como o Pará, o conceito já está no limite da extinção.

Vemos um recente exemplo do ataque à liberdade de expressão no incidente protagonizado pelo Ministro da Educação, Abraham Weintraub, tristemente famoso por seus ataques à liberdade nas universidades, por seu desprezo por pessoas comuns e por sua insultante ignorância.

Abraham Weintraub, ontem estava jantando com sua família no terraço de um restaurante na cidade de Alter do Chão, no Pará, quando um pequeno grupo de ativistas pertencentes à organização Engajamundo, fez um belo ato de protesto.

O ato consistia em dar-lhe um prato de “kafta”, uma comida popular da culinária árabe. Não era nada mais que uma pequena sátira, em alusão à confusão que o ministro estrelou em pronunciar o nome deste prato típico para se referir ao brilhante autor checo Franz Kafka, autor de, entre outros grandes livros, A Metamorfose e O Processo, obras imortais da literatura universal que um ministro da educação deveria conhecer bem.

O protesto foi acompanhado por uns poucos cartazes que se referiam às medidas controversas do ministro contra as universidades públicas ou seus cortes orçamentários nas escolas públicas, e em particular a sua tentativa ridícula de explicar os cortes com barras de chocolate, como ele fez em um vídeo transmitido pelo Facebook Live, onde ele separou 4 barrinhas de uma pilha de 100 para mostrar que seus cortes afetariam apenas 3,4% do orçamento total.

Além disso, para ficar mais próximo desse 3,4%, uma das barras teve que ser cortada em dois. Mas quando o ministro foi incapaz de quebrar a barrinha, o próprio presidente Bolsonaro, que o acompanhava na encenação dessa farsa, mordeu a barra do orçamento pela metade e comeu sem remorso. Não deveria surpreender que esse modo grosseiro e ofensivo de lidar com algo tão importante para a cidadania, como o orçamento da educação, ultrajou muitos no Brasil e não conquistou muita simpatia para o ministro Weintraub.

Mas diante do ato de protesto lúdico e criativo dos ativistas, Weintraub reagiu com agressão e raiva e pegou o microfone de um grupo de músicos de rua que estavam na praça, e de lá lançou um discurso de insultos e ofensas indiscriminadas, apesar de os ativistas já terem deixado o lugar.

A tensão e a polarização vividas em todo o Brasil ficaram evidentes nesse exemplo de intolerância. Dono do microfone, Weintraub lançou um discurso desarticulado de ataques sem nexo a uma suposta esquerda “petista”, preguiçosa e parasítica, enquanto destacava as virtudes de ser um pai de família que só tira férias uma semana por ano. Ele também acusou os ativistas de humilhar sua família, que estava na praça quando os eventos ocorreram.

O discurso agressivo e intolerante do ministro provocou a reação de muitos dos presentes na praça, incluindo alguns indígenas, que vaiaram o político, o chamaram de fascista e até usaram um microfone para se defender de ataques, que inflamaram ainda mais o temperamento arrogante do ministro. Em cima de em uma cadeira de plástico, ele continuou a insistir em suas ofensas e até usou sua filha para se fazer de vítima e provocar a adesão de alguns dos presentes, que o aplaudiram e encorajaram quando ele deixou o local.

O incidente terminou sem maiores problemas, mas causou um profundo desânimo entre os presentes na praça desta pacata cidade que parecia estar longe da tensão política das cidades.

Depois do protesto, a organização Engajamundo divulgou um comunicado explicando que o ato era simplesmente um gesto de protesto simbólico, e que, depois de entregar o prato de kafta e os dois cartazes, os ativistas deixaram o local imediatamente, sem agredir ninguém em momento algum.

Engajamundo usa criatividade e diversão para tornar suas reivindicações visíveis, mas nunca realiza ações agressivas ou agride ninguém como Weintraub fez quando ele assumiu o microfone e lançou uma manifestação ofensiva contra supostos esquerdistas, que teriam tentado humilhar sua família.

A atitude arrogante do ministro e a reação do povo às suas palavras ofensivas deram à ação de protesto de Engajamundo uma dimensão indesejada, mas que demonstra até que ponto há tensão neste país, mesmo em locais remotos e tranquilos da Amazônia.

A educação tem sido um eixo central da política brasileira. Durante os governos anteriores, apesar de algumas ineficiências, existiram inúmeras iniciativas e investimentos que buscaram melhorar as condições de pessoas humildes e facilitar o acesso ao ensino superior a pessoas desfavorecidas, incluindo grupos geralmente marginalizados dentro sistema educacional, como os mais pobres, indígenas e negros.

Mas Bolsonaro chegou com a intenção de acabar com tudo o que oferece igualdade de oportunidades. Sua agenda deixa muito claro que ele acredita que devemos expulsar os mais fracos, quem ele considera parasitas alimentados pelos “petistas”.

O que realmente é uma vergonha, e o que não deveria surpreender ninguém, é um ministro se sentir ofendido quando, em um ato de simples liberdade de expressão, alguns ativistas o lembram que ele não sabe pronunciar corretamente o nome de Kafka ou que ele banaliza cortes da educação mordendo chocolates. E mais vergonhoso ainda é seu discurso ofensivo encontrar simpatizantes em uma praça de uma pequena cidade tranquila.

O presidente do Conselho de Desenvolvimento Comunitário da Vila de Alter do Chão emitiu imediatamente uma vergonhosa “Carta de repúdio a ato hostil sofrido pelo Ministro da Educação e sua família”, que descreveu o protesto como “atos de hostilidade praticados puramente por intolerância política” e pede às autoridades competentes que “este [sic] agressores e perturbadores da ordem [s]ejam identificados e punidos por suas ações”.

Após o incidente, sem dissimular suas intimidações, um grande grupo de bolsonaristas se reuniu na praça em uma demonstração de apoio ao ministro e ao “mito” que o nomeou.

Esse incidente, que em qualquer democracia madura é considerado “ossos do ofício” de qualquer representante público, no Brasil, torna-se uma “agressão, um ato hostil, um sinal de intolerância”.

Isso mostra até que ponto o estado de direito no Brasil foi degradado, com o respeito pela liberdade de expressão desaparecendo enquanto as autoridades tentam intimidar os cidadãos que exercem seu direito de protestar enquanto recebem insultos, arrogância e ameaças de prisão e punição. É por isso que é importante que ativistas como os do Engajamundo se levantem e resistam a essa degradação.

O ministro Abraham Weintraub deveria ler A Metamorfose de seu ignorado Kafka e refletir sobre como o Estado democrático de direito, se insultado, degradado e atacado diariamente, pode acordar um belo dia transformado em um inseto gigantesco.