O Mensalão merece algumas reflexões.
Primeiro, e acima de tudo, é uma bobagem imaginar que o Brasil seja campeão mundial de corrupção na política. Pior ainda: que o PT tenha levado o grau de corrupção a níveis inéditos no Brasil.
Apanhe um mapa-múndi, gire ao acaso e pare com um dedo em qualquer país. Você vai encontrar ali um escândalo recente.
Na civilizadíssima Inglaterra, por exemplo, políticos de todos os partidos ficaram há pouco tempo desmoralizados quando um jornal publicou despesas pelas quais eles pediam reembolso com o dinheiro do contribuinte.
Um usou o dinheiro público para construir uma casa para patos na piscina de sua casa no campo. Outro se reembolsou do dinheiro que pagou para a afinação de um piano. Um terceiro tomou de volta as libras que dera numa missa. E o marido de uma ministra se reembolsou do aluguel de fitas pornográficas.
Na Índia, gurus têm lutado energicamente contra a corrupção com jejuns, mantras e armas do gênero. Na Rússia, chefes da KGB viraram multimilionários com a compra a preço de banana de empresas estatais pós-União Soviética.
E os Estados Unidos, bem, ali o mundo político está absolutamente vinculado às grandes corporações que patrocinam os dois partidos que monopolizam o poder com a mesma diferença que existe entre Coca e Pepsi.
O candidato republicano Mitt Romney é um mestre na arte de driblar – de forma legal mas amoral – impostos. E pode muito bem ser o próximo presidente americano. Na China, Bo Xilai, o homem poderoso incumbido de acabar com as gangues numa megacidade de mais de 30 milhões de habitantes, tomou propinas, tentou acobertar um crime cometido por sua mulher – e agora provavelmente vai terminar seus dias na cadeia.
O Brasil não é diferente dos demais países.
Isto posto, é bom que o Brasil julgue com seriedade o Mensalão e puna quem prevaricou. Como gosta de dizer o jornalista inglês Scott Moore, titular de uma coluna de futebol no Diário, todo mundo concorda com isso – até a mulher dele, que sempre é do contra.
Comprar congressistas venais para aprovar projetos do governo é indefensável. E se os projetos fossem excepcionalmente bons para a sociedade? Mesmo assim. Os meios são decisivos para o fim.
Eis agora uma oportunidade de melhorar a política brasileira, é verdade. Mas, não esqueçamos, isso poderia ter sido feito antes, quando foram negociados votos também no Congresso para que FHC pudesse ter um segundo mandato.
Qual a diferença fundamental entre uma compra e outra? Basicamente nenhuma – descontado o barulho que a mídia estabelecida faz agora e deixou de fazer então.
O estardalhaço histérico tem um nome: manipulação. A voz rouca das ruas de alguma forma percebe isso, em sua sabedoria simples e instintiva, e é por isso que as consequências nas urnas não refletem o que você lê e ouve na tevê, nos jornais e nas revistas. O povo suspeita que, por trás do moralismo extremo, pode estar gente simplesmente tentando bater sua carteira.
Vejo com reserva, na mesma linha, a tentativa de transformar o ministro Joaquim Barbosa num herói. Batman, é o que dizem.
Não entro no mérito do desempenho de JB no julgamento do Mensalão. É, aparentemente, correto nas linhas essenciais. Mas o exagero com que o louvam se destina, em boa parte, a dar uma dimensão apocalíptica que o Mensalão, efetivamente, não tem. Subestimar o caso é um erro, mas igualmente equivocado é superestimá-lo.
E é o que a mídia vem fazendo.
O Brasil tem que passar pelo mesmo processo em curso na Inglaterra. Um juiz ilibado, apartidário, Lorde Leveson, está no comando de uma comissão que discute a ética na mídia: o que se pode e o que não se pode fazer.
Sob câmaras que transmitem ao público todas as sessões, numa demonstração de transparência absoluta, Leveson tem sabatinado toda sorte de gente relevante para que se aprimore a mídia.
O primeiro-ministro David Cameron foi indagado sobre a natureza de sua relação com pessoas ligadas a Rupert Murdoch, o imperador agora desmoralizado da mídia britânica. Murdoch mesmo foi ouvido não uma, mas duas vezes pela Comissão Leveson.
Empresas jornalísticas, este o ponto de partida da Comissão Leveson, não estão acima do bem e do mal. São organizações com fins lucrativos, não filantrópicos, e no caso inglês o que ficou claro é que a volúpia por furos e consequentemente mais vendas e mais dinheiro levou à perda de limites. Daí a necessidade de rediscutir o jornalismo.
O que sempre me pareceu complicado é o seguinte: quem seria Leveson no Brasil? Minha melhor resposta, neste momento, é: Joaquim Barbosa. Não por ser Batman, mas por fazer essencialmente o que se espera que um juiz faça. E também porque ele estaria a salvo de clichês previsíveis — partidos das grandes corporações jornalísticas — como o de que por trás da discussão estaria o desejo de amordaçar a mídia.