Publicado no Conjur.
Por desbordar da crítica objetiva ao seu trabalho, o jornalista Reinaldo Azevedo, a revista Veja e a rádio Jovem Pan deverão indenizar a cartunista Laerte Coutinho em R$ 100 mil. A decisão, que confirma entendimento da primeira instância, foi tomada pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo em julgamento de apelação nesta terça-feira (24/10).
Por unanimidade, os desembargadores entenderam que as críticas do jornalista apresentadas tanto na sua coluna na Veja quanto em sua fala na Jovem Pan ofenderam a honra da cartunista, transexual assumida.
A decisão de primeiro grau foi tomada pelo juiz Sang Duk Kim, da 7ª Vara Cível de São Paulo, para quem houve evidente excesso de Azevedo ao chamar Laerte de “fraude moral”, “baranga moral”, “fraude de gênero” e “fraude lógica”.
No recurso de apelação de Azevedo, os advogados afirmaram preliminarmente que faltaria interesse de agir da autora, já que, após as críticas recebidas, teria divulgado o artigo do réu e, além disso, feito referências jocosas ao ocorrido.
Sustentaram ainda que Laerte sempre veiculou charges a respeito de sua intimidade, com críticas políticas a heterossexuais, tendo se envolvido, inclusive, em episódios polêmicos, quando pretendia utilizar o banheiro feminino.
Também criticaram a charge que deu origem ao processo, feita por Laerte para o jornal Folha de S.Paulo, que “comparava manifestantes a favor do impeachment a criminosos responsáveis por chacina na cidade”. Alternativamente, pediram a redução do valor da condenação. Alegaram também que a sentença deixou de considerar o contexto político à época das publicações, que retrataram apenas o conflito ideológico existente.
Relator do recurso, o desembargador Carlos Alberto Garbi não concordou com os argumentos dos apelantes e disse que os comentários extrapolaram o objeto da crítica. “Se a charge veiculada tinha conteúdo forte, que suscitava críticas, de acordo com o perfil rotineiramente sustentado pela autora, a crítica feita pelo réu deveria se voltar exclusivamente para a charge, e não para a pessoa da cartunista, como ocorreu.”
“Vê-se que a crítica se voltou à pessoa de Laerte, como transgênero, e não à charge, o que, evidentemente, confirmou o ato ilícito cometido. A crítica foi, portanto, pessoal e representou ofensa à honra”, concluiu Garbi. Ele diz que o exercício da plena liberdade de imprensa, previsto na Constituição, não pode violar direitos fundamentais igualmente estabelecidos na Constituição.
O desembargador ainda justificou o valor da indenização, que entendeu proporcional ao dano causado com a divulgação em dois conhecidos veículos do país.
“O valor da reparação (R$ 100.000,00) arbitrado na sentença guarda relação com a ofensa cometida e também com a significativa repercussão que o artigo do réu recebeu, veiculado que foi em dois canais de significativa audiência Rádio Jovem Pan e Revista Veja. Não se justifica, assim, o pedido de redução da indenização”, afirmou. Ele foi acompanhado pelos colegas João Saletti e J.B. Paula Lima.
Na defesa da cartunista Laerte, trabalhou a advogada transexual Márcia Rocha. Segundo ela, é a primeira vez na história do TJ-SP que os desembargadores escutam a sustentação de um advogado transexual. Márcia também é a primeira advogada do país que teve seu nome social alterado na inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.