Por Jean Marc von der Weid no Outras Palavras
Bolsonaro não está escondendo a sua opção preferencial pelo golpe, seja qual for a forma que ele tomará. Como escrevi no meu último artigo, “Bola ou búlica”, o mais provável é que ele provoque uma situação de caos político e social gerando o pretexto para pedir a suspensão das eleições ao Congresso. Ele pode contar com uma boa dose de cumplicidade do Centrão e outros direitistas para este fim. Além dos argumentos de “defesa da lei e da ordem”, ele contará também com a pressão explícita das Forças Armadas sobre os parlamentares.
Se o Congresso rejeitar a suspensão das eleições, chegará a hora da verdade para Bolsonaro e seus apoios militares. Isto porque, neste caso, sobra apenas a alternativa do que estão chamando de “golpe clássico”, com as tropas na rua, o fechamento do Congresso, do STF, intervenção nos governos estaduais “inimigos” e toda a parafernália de repressão a manifestações, fechamento de sindicatos e associações populares, controle da mídia convencional (a eletrônica vai ser mais complicado de fazer), suspensão de habeas corpus, toque de recolher, prisões de opositores e até a eliminação de lideranças mais combativas. Lembremos que o sonho de Bolsonaro, verbalizado em vários discursos, é “matar 30 mil esquerdistas” (pode estar fazendo contas ampliando esta promessa) e “mandar os comunistas para a ponta da praia”, significando local de desova de cadáveres. Comunistas, na avaliação do bolsonarismo, são todos os que se opõem ao mito, de Alkmin a Boulos, para não falar de lideranças menos expressivas mais à esquerda. Comunista é o Dória. Comunista é o Stédile e os dirigentes da Via Campesina. Comunistas são também o Alexandre de Morais e o Edson Fachin, quem sabe todo o STF, salvo os dois apaniguados de Bolsonaro. Se pudesse, Bolsonaro prenderia até o Papa Francisco, um notório comunista para o energúmeno.
Este golpe clássico não será possível sem um banho de sangue já que estaremos em um estado de caos social e político, premissa para Bolsonaro dar início ao seu projeto.
Neste momento se colocará a segunda grande interrogante desta tragédia. Os militares estarão dispostos a este extremo? Dar ultimatos ao Congresso é uma coisa mais do que provável, mas aplicar o conjunto de medidas descritas acima implica em algo muito mais radical e comprometedor. O Alto Comando vai bancar este horror? E os comandos de tropa, generais e coronéis, vão acatar as ordens de matar manifestantes, prender opositores e enfrentar uma opinião pública certamente totalmente contrária a isto? Se uma parte destes comandos resistir ao golpe teremos um quadro de guerra civil. Seria um desdobramento que nunca vivemos desde a “Revolução Paulista”, de 1932. Lembremos que em 1961, quando o III Exército aderiu ao movimento pela legalidade iniciado pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, o resto do Exército amarelou e buscou um acordo para evitar o choque entre militares. O acordo veio com a cooperação do Congresso, votando a emenda constitucional que instituiu o parlamentarismo em troca de empossar o vice-presidente João Goulart. Será que vamos assistir outra manobra militar/parlamentar deste gênero?
Como enfrentar este cenário pavoroso?
Em primeiro lugar, reconhecendo que ele é uma possibilidade real.
Em segundo lugar, procurando criar uma frente única pela democracia defendendo as urnas, as eleições e seus resultados. A frente única suprapartidária teria que aglutinar todos os candidatos que não Bolsonaro, pelo menos, Lula, Ciro e Tebet e, se possível, os candidatos nanicos também. Além deles, todas as organizações da sociedade civil, das maiores às menores, sindicais associativas, identitárias, religiosas, profissionais, científicas e acadêmicas. Isto pode começar com um manifesto e penso que será melhor que a proposta venha de entidades da sociedade civil como OAB, ABI e CNBB, por exemplo. E deveria se desdobrar com a convocação de todos os partidos políticos a aderirem a esta consigna.
Em terceiro lugar, este movimento terá que tomar as ruas de forma massiva e crescente, visando uma máxima participação no dia 7 de setembro, já que este é o dia marcado pelo bolsonarismo para mostrar sua força mobilizatória.
Estas manifestações terão que ser muito cuidadosamente planejadas e teremos que voltar à prática de formar grupos de segurança, chamados de “service d’ordre” na França. Isto permite não só conter exaltados, como isolar provocadores que não deixarão de aparecer, pelo figurino usado pelos bolsominions. Vai ser um esforço enorme para mostrar capacidade de mobilização e, ao mesmo tempo, evitar os atentados que podem dar pretexto para a intervenção das polícias bolsonaristas, como já vimos no Ceará e em Pernambuco.
Os bolsominions já mostraram, nos comícios do Lula aqui no Rio e em Belo Horizonte, que estão prontos para atentados provocadores, com drone ou com bomba caseira, um e outra cheios de cocô. Ou seria a matéria cerebral dos bolsominions? Mas até agora não aconteceu uma provocação mais pesada com atiradores ou uso de granadas com impacto na manifestação como um todo, provocando mortos e feridos, pânico, correria e enfrentamentos. Estamos ainda no começo da escalada e a violência tende a se tornar mais organizada e deixar de ser ato individual para se tornar ato coletivo de militantes dos clubes de tiro, de milicianos ou algum dos 500 grupos de neonazistas, ala extrema do bolsonarismo.
O assassinato do militante do PT em Foz do Iguaçu é a expressão mais aguda desta ação individual de fanáticos bolsonaristas, obedientes às palavras de ordem do mito e de seus filhos. E a reação tem que ser forte de forma a inibir o discurso do ódio, inclusive com penalização judicial. Mas não acredito que se consiga deter esta maré provocadora. Os atos individuais podem ser coibidos por uma condenação do assassino de Foz do Iguaçu, mas os atos coletivos de grupos organizados do bolsonarismo não serão contidos pelas ameaças da lei. Temos que estar preparados para os enfrentamentos que virão deste segmento.
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