Retorno em massa dos médicos cubanos frustra os bolsonaristas. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 21 de dezembro de 2018 às 9:35
Médicos cubanos desembarcam no aeroporto de Havana

POR MIGUEL ENRIQUEZ

No dia 19 de novembro, menos de uma semana depois da decisão do governo de Cuba de romper sua participação no programa Mais Médicos e determinar a volta  de seus profissionais à Ilha, o general Hamilton Mourão, vice-presidente de Jair Bolsonaro, arriscou um palpite, com uma pitada de ironia: “Posso até ser leviano, mas acho que metade não volta, hein. Não sei, acho que eles gostam do nosso estilo de vida.”

Evidentemente, na declaração estava implícita a torcida do bolsonarismo de que um parcela considerável dos cubanos, diante da iminência de ter de trocar as maravilhas da democracia brasileira pelo retorno à ditadura caribenha, optariam por ficar por aqui.

Passado pouco mais de um mês, não foi o que se viu. E a leviandade de Mourão não passou disso, uma leviandade.

Segundo a jornalista Mônica Bergamo em sua coluna na Folha, da quinta feira, 20, até agora, cerca de 6 mil, dos 8 300 médicos cubanos que atuavam no programa, já retornaram a seu país, onde foram recebidos com festas pelas autoridades e pela população.

Outros 1 800, casados com brasileiros e brasileiras, decidiram permanecer no Brasil, devidamente autorizados pelo governo do presidente Miguel Diaz-Canel.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde da Organização Mundial da Saúde (Opas), que intermediou o acordo entre o Brasil e Cuba para a participação de médicos cubanos no Mais Médicos, restam ainda 400 que permaneceram sem autorização, estão doentes e devem retornar a Cuba em breve.

Ou seja, para quem esperava uma deserção em massa, o que seria um trunfo e tanto na batalha ideológica do bolsonarismo contra a chamada  ditadura cubana, o resultado da operação retorno dos médicos, foi uma frustração enorme.

O que só escancara a obtusidade vergonhosa da hostilidade gratuita dos futuros governantes, que provocou danos irreparáveis num dos programas na área de saúde mais bem-sucedidos já implantados no Brasil.

De uma hora para outra, milhões de brasileiros, principalmente os que vivem nas periferias das grandes metrópoles e nos grotões do país, ficaram sem assistência médica.

E a tentativa de repor o vazio deixado pelos cubanos ainda deixa muito a desejar. Até agora, quase um terço dos médicos brasileiros que se inscreveram no programa, não se apresentaram nos locais de trabalho.

Para complicar, em mais de 100 localidades, principalmente em aldeias indígenas, não há candidatos inscritos para trabalhar.

Por uma dessas ironias do destino, em meio à retirada organizada dos médicos cubanos, Bolsonaro e família se viram envolvidos no escândalo do motorista e assessor Queiroz, ex-assessor do filho Flávio, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Como se sabe, alvo do Coaf, sob a suspeita de movimentação de R$ 1,2 milhão, Queiroz, que aparentemente tomou chá de sumiço, era encarregado de receber uma parte considerável de até 90% dos funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro, uma prática muito comum, por sinal, nas casas legislativas.

O que, além de ilegal, vamos combinar, não orna muito com o discurso de Jair Bolsonaro, que considerava os médicos cubanos como escravos por terem 70% de seus salários no Mais Médicos retidos pela ditadura castrista.