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Enquanto a chanceler federal alemã, Angela Merkel, é tida como uma crítica ferrenha da política de Vladimir Putin para a Ucrânia, o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev é um defensor – para muitos de forma surpreendente.
Gorbachev, porém, nunca fez segredo de que vê a Crimeia como parte da Rússia. Assim como Putin, ele classifica a separação da Ucrânia e de Belarus da antiga União Soviética, em 1991, como um erro histórico e o atribui a seu sucessor, Boris Yeltsin.
Notável é a veemência com a qual Gorbachev está criticando o Ocidente atualmente. Ele exige um recomeço nas relações entre Berlim e Moscou, e a diretriz é clara: o Ocidente, e não Putin, precisa mudar.
“Estou absolutamente convencido de que Putin protege hoje os interesses da Rússia melhor do que todos os outros”, disse Gorbachev antes de sua visita a Berlim.
E isso apesar de ele também ter repetidamente feito duras críticas a Putin. Como, por exemplo, em meados de 2013, quando o presidente russo mandou revistar os escritórios de organizações não governamentais.
“Quem quiser uma ditadura deveria ir para onde já existe uma ditadura”, disse Gorbachev então.
De onde vem então essa mudança? É uma pergunta a ser feita, especialmente levando em conta o fato de que Putin considera Gorbachev um erro da história e o responsável por ter pregado o último prego do caixão da União Soviética. E Putin não está sozinho nessa avaliação.
Nos olhos da grande maioria do russos, Gorbachev é o responsável pelo colapso da União Soviética – algo que eles lamentam, assim como a fase subsequente de dificuldades econômicas e caos político. Mas o fato de que Gorbachev assumiu uma já enfraquecida URSS é frequentemente ignorado.
A Gorbachev também são frequentemente atribuídos os erros de Yeltsin. Além disso, muitos o consideram um político que não leva a sério as necessidades dos mais pobres. Pouco tempo após o fim de seu mandato de secretário-geral, ele lançou a maior campanha antialcool da história na URSS.
O consumo de álcool não caiu, mas a sua popularidade sim. Na eleição presidencial de 1996, ele recebeu apenas 0,51% dos votos. É a tragédia de Gorbachev: ser reverenciado no exterior, mas desprezado em casa. E isso o amargurou.
Quando chegou ao poder, ele queria reformas a União Soviética, e não desfazê-la. Queria reestruturá-la, criar estruturas claras e um certo Estado de Direito. O império inteiro escorregou de suas mãos, mas não se pode dizer que tenha sido essa sua intenção de início.
Aparentemente, Gorbachev subestimou a força da ausência do poder centralizado do Partido Comunista. E, devido aos problemas políticos internos, a ele faltavam concepções de política externa, de modo que teve que assumir em grande parte a pressão ocidental pela Reunificação da Alemanha e sua entrada na Otan. Até hoje, Gorbachev é responsabilizado por isso na Rússia.
Tanto Gorbachev quanto Putin lamentam o colapso da União Soviética – nisso eles concordam. No entanto, eles até agora divergiram significativamente em suas posições em relação aos países do bloco do leste e às ex-repúblicas soviéticas.
Em 1988, Gorbachev se distanciou da Doutrina Brejnev. Isto possibilitou que os países do Pacto de Varsóvia estabelecessem futuramente as suas próprias formas de governo. Esta nova liberdade iniciou uma série de revoluções pacíficas na Europa Oriental.
No final, a Guerra Fria acabou, e a Alemanha estava reunificada. Isso contribuiu de forma significativa para a sua popularidade no Ocidente – especialmente entre os alemães – que perdura até hoje.
O homem da Glasnost (transparência) e da Perestroika (reestruturação) era e continua sendo um convidado bem-vindo na república alemã. Fato que foi comprovado mais uma vez nas celebrações dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, no último fim de semana.
Por isso, chamou bastante atenção que Gorbachev tenha tomado partido a favor de Putin e, com as críticas ao Ocidente, contrariado seus próprios princípios. Porém, aqui na Alemanha, ele não precisa temer críticas – os alemães têm muito a agradecer a ele.