Revolta dos militares lembra Gilmar Mendes quando processou Mônica Iozzi. Por Moisés Mendes

Atualizado em 14 de julho de 2020 às 8:39

Os brasileiros vão se transformar em juristas mais uma vez com o duelo de Gilmar Mendes com os militares. Os ministros fardados pretendem enquadrar o ministro do STF pela acusação de que as Forças Armadas são cúmplices do genocídio da pandemia.

Mendes entende que, por terem um general (Eduardo Pazuello) no Ministério da Saúde, passam a compartilhar com Bolsonaro todas as consequências por erros e delitos do governo.

Os militares não gostaram da acusação de que se associaram a um genocídio. E, em nota que largaram hoje, 13, fazem questão de dizer:

“Genocídio é definido por lei como a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (Lei no 2.889/1956). Trata-se de um crime gravíssimo, tanto no âmbito nacional, como na justiça internacional, o que, naturalmente, é de pleno conhecimento de um jurista”.

E esta é a declaração de Mendes, dita num debate promovido sábado pela revista IstoÉ, ao comentar as omissões do governo no combate à pandemia e o fato de que Eduardo Pazuello é o ministro interino da Saúde:

“Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”.

O imbróglio é complicado para Gilmar Mendes. O ministro pode ter caído numa arapuca. Ele já processou a atriz Monica Iozzi exatamente pela acusação de cumplicidade com crimes comprovados.

Em outubro de 2016, Monica publicou uma foto de Mendes no Instagram, com uma palavra e uma interrogação (“Cúmplice?”), mais essa legenda: “Gilmar Mendes concedeu habeas corpus para Roger Abdelmassih, depois de sua condenação a 278 anos de prisão por 58 estupros”.

O ministro, que havia libertado o médico, processou a atriz. Pediu uma indenização de R$ 100 mil e levou R$ 30 mil, depois de um acordo.

A sentença saiu em maio de 2017. É da 4ª Vara Cível de Brasília e foi expedida pelo juiz Giordano Resende Costa. Concordando com Gilmar Mendes, o juiz entendeu que Monica feriu a honra e a imagem do ministro.

O juiz afirmou que Monica “extrapolou os limites de seu direito de expressão”, ao criticar a decisão de Mendes, acusado de crimes de estupro e manipulação genética. Mendes, segundo o juiz, acabava sendo apontado por cumplicidade com os crimes.

Os militares poderão dizer agora que Mendes os acusa de cumplicidade com o grave crime de genocídio.

Mas também aqui há uma armadilha, desta vez para os militares. Gilmar Mendes recusou-se a ser acusado de cúmplice dos crimes cometidos pelo médico. Só que os crimes de fato existiram.

Os militares, ao se recusarem a ser cúmplices de genocídio, não admitem que o governo Bolsonaro promove o extermínio de negros e pobres, que são, pelas estatísticas, as maiores vítimas da pandemia?

O genocídio não seria reconhecido como fato? E os militares não podem ser associados a um crime que não existe? Ou o genocídio, para os militares, existe mesmo, mas mesmo assim eles fazem a defesa de um governo cujo líder conspira até contra o uso de máscaras?

Os militares estão defendendo as omissões de Bolsonaro e a matança da pandemia, que Gilmar Mendes preferiu chamar de genocídio, sem nenhuma originalidade?

Complicou-se a situação de Gilmar Mendes. Mas a situação dos generais aliados de Bolsonaro e da sua política de omissão diante da pandemia talvez seja ainda mais complicada.

Enquanto a controvérsia jurídica avança, a única verdade inquestionável é que continua o genocídio denunciado pelo ministro do Supremo e pelas torcidas do Fluminense, do Corinthians, do Botafogo, do Bahia, do Internacional, do Grêmio, do Palmeiras…