Roda Viva com Manuela expõe um padrão: Dilma também foi alvo do “manterrupting” no Jornal Nacional

Atualizado em 27 de junho de 2018 às 12:22
Quem não se lembra: a entrevista era Dilma, mas Bonner interrompia toda hora

A entrevista de Manuela D’Avila para o Roda Viva repete o que parece um padrão no Brasil: a diferença de tratamento que os jornalistas dispensam para homens e para mulheres. No caso de Manuela, houve 62 interrupções, segundo contagem da campanha “Deixa ela falar”.

O número é quase oito vezes maior que o número de interrupções sofridas por Ciro Gomes, pré-candidato à presidência pelo PDT e entrevistado no mesmo programa, em 28 de maio. Barbara Thomaz, em artigo publicado na revista Marie Claire, contou: na entrevista de Ciro, houve 8 interrupções e, na de Guilherme Boulos (PSOL), 12.

“Essa prática tem nome e é intensamente dirigida às mulheres ao redor do globo. Tamanha frequência e especificidade ganhou nomenclatura: manterrupting – a interrupção desnecessária  enquanto uma mulher está falando. Importante constatar que ambos os gêneros tendem a interromper mais seu interlocutor quando a pessoa com quem conversam é uma mulher”, disse.

Isso mesmo: não são só os homens que demonstram menosprezo pelo que dizem as mulheres. As próprias mulheres costumam ter esse comportamento discriminatório em relação a outras mulheres.

Bárbara, que é colunista da revista e se define como comunicadora, jornalista, escorpiana e mãe do Theodoro e do Antonio, tocou na ferida: considerou essa atitude um tipo de violência da qual mulheres são vitimas cotidianamente.

“Esse é um tipo de recurso sexista que visa frear ou atrapalhar a comunicação, o raciocínio e argumentos de mulheres. Um ato desrespeitoso que tenta nos inferiorizar e desmerecer nossas falas”, afirmou.

Exemplos não faltam.

Em 2014, durante entrevista ao Jornal Nacional, Dilma Rousseff foi interrompida por William Bonner muito mais do que os candidatos homens que se submeteram à sabatina. Foram 21 vezes em um período de pouco mais de 15 minutos, mais do que as interrupções feitas nas entrevistas de Aécio Neves e Eduardo Campos, diferença de tratamento repercutiu muito na época.

Era uma reincidência de Bonner. Em 2010, ele já tinha se comportado da mesma maneira com Dilma, conforme se pode ver no vídeo abaixo. Tanto que Fátima Bernardes, na época esposa dele e companheira de bancada, interrompeu uma de suas perguntas, o que foi visto como uma desaprovação da atitude do marido e colega.

Dilma Rousseff não mencionou as entrevistas de 2010 e 2014 a Bonner, mas notou que a agressividade demonstrada no Roda Viva tem como uma das causas o sexismo.

Em nota, a presidente eleita escreveu: “Manifesto minha integral solidariedade à deputada Manuela D’Ávila, alvo de ataques machistas e misóginos no ‘Roda Viva’. Convidada para falar sobre sua candidatura, Manuela foi hostilizada pelo âncora e pelos entrevistadores.”

A agressividade sexista contra Manuela demonstrada no Roda Viva teve um efeito pedagógico: pela primeira vez, o Brasil começa a discutir o manterrupting. Nos Estados Unidos, esse debate foi feito, a partir de um estudo feito por psicólogos de Yale que demonstrou como senadoras americanas se pronunciavam consideravelmente menos que seus colegas masculinos, inclusive os de posições inferiores.

Em seu artigo na Marie Claire, Bárbara citou o estudo e expos uma suspeita:

“Somos a maioria da população mundial e também no Brasil, porém, a presença feminina nas esferas de poder e do debate público ainda é minúscula perto do que deveria ser. Somos mais escolarizadas que os homens, nos comunicamos melhor e temos maior tendência a pensarmos no conjunto de realidades graças a nossa socialização. Uma combinação poderosa para as esferas políticas e diplomáticas. Me arrisco a dizer que é por isso que tentam barrar essa potência.”