Publicado originalmente no site dos Jornalistas Livres
POR RICARDO MELO, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff
Rodrigo Maia esteve num programa de TV (o Roda Morta da TV Cultura) para expor seus planos. Descontando as platitudes de praxe, soltou coisas como estas, em transcrição não literal: “votei pelo impeachment de Dilma Rousseff, ela cometeu crimes de responsabilidade. Não vejo isso com Bolsonaro”. Foi em frente: “Precisamos centrar fogo na pandemia, discutir impeachment agora desviaria nosso foco.”
Não se sabe que cínico faria melhor que isso. Supondo que seu raciocínio fizesse algum sentido. “Precisamos centrar no combate ao vírus.” Bem, qual o maior obstáculo ao combate à pandemia hoje no Brasil, prestes a bater a marca dos cem mil mortos? Sim, ele mesmo, o capitão que nem o Exército aceitou em suas fileiras e resolveu expeli-lo à francesa.
Bolsonaro desde o início sabotou e sabota qualquer esforço para deter o vírus. Minimizou a gravidade da doença; impediu qualquer esforço coordenado entre União, Estados e municípios; deu e dá exemplos diários de como burlar impunemente normas de isolamento social em seus périplos eleitorais; “receita” medicamentos sabidamente ineficazes e perigosos quando ingeridos indiscriminadamente para eliminar uma doença que desafia a própria comunidade científica. Isso sem falar de suas frases inescrupulosas diante das dezenas de milhares de mortos: “E daí? Algum dia todo mundo vai morrer”; “brasileiro mergulha no esgoto, sai e continua vivendo”; “não sou coveiro. Problema de mortos não é comigo”.
Das palavras à ação. O capitão genocida tratou de montar uma equipe de militares para garantir suas “ideias”. O ministério da Saúde está entregue a um interino paraquedista que mal sabe a diferença entre novalgina e corticóides. Apenas sabe prestar continência a um militar desequilibrado, parasita do dinheiro público junto com sua família e reincidente em crimes variados. O primeiro ato do paraquedista, aliás, foi tentar manipular os números de vítimas da pandemia. Exagerou na dose da “cloroquina estatística”. Foi contido até o momento. Mas persevera em seus estragos.
Pergunta: como “Botafogo” (Rodrigo Maia) quer manter o foco contra a pandemia aliando-se àquele que é o principal responsável pela expansão descontrolada do vírus pelo Brasil? Parece que o problema não interessou muito à bancada do Roda Morta.
Maia atualmente está sentado sobre dezenas de pedidos de impeachment do capitão alucinado. Todos muito bem fundamentados. Para ele, porém, nada tão grave quanto o fato de Dilma Rousseff ter remanejado (jamais desviado) dinheiro destinado a pagar juros escorchantes da banca para financiar o Bolsa Família e programa sociais. Salvar vidas da fome. Para “Botafogo” Rodrigo Maia, Bolsonaro ser o vetor da morte de dezenas de milhares de vidas, com eventos comprovados, escritos, televisados, impressos no Diário Oficial e distribuídos em lives do próprio Bolsonaro —para o “Botafogo” nada disso tem relevância.
Espera-se que o povo brasileiro não caia em mais esta esparrela. Rodrigo Maia é bolsonarista de primeira hora, como ele próprio confessou no programa: “Votei nele pela agenda econômica de reformas”. Sabemos que reformas são essas; os verdadeiros democratas também. É nisso, aliás que “Botafogo” Rodrigo Maia cavalga até hoje, como egresso do mercado financeiro. Chorou em público lágrimas de crocodilo quando o Congresso bastardo aprovou a reforma da previdência que praticamente liquidou as chances de uma aposentadoria digna. Chorou de alegria, não de tristeza. Como bom sacripanta, finge-se de morto diante das oferendas a militares.
Se depender desta gente, não há outro caminho a não ser o do precipício social.