Rogério já tinha a festa de aniversário organizada no dia em que foi assassinado pela PM. Por Caique Lima

Atualizado em 16 de agosto de 2020 às 10:49
Rogério Ferreira da Silva Júnior

No domingo passado, mais um jovem negro foi assassinado pela PM.

No Parque Bristol (SP), Rogério Ferreira da Silva Júnior foi morto durante uma abordagem policial no dia em que completava 19 anos.

O jovem pegou emprestada a moto de um amigo para andar pelo bairro e voltar para casa para celebrar com a família. Mas o que seria um dia de comemoração se transformou num dia de luto e dor: durante o passeio ele foi atingido por um tiro fatal nas costas.

Segundo a tia do jovem, Vania Ourives, a família já havia preparado a festa de aniversário de Rogério quando soube da notícia.

“A mãe estava organizando um ‘aniversárinhozinho’ pra ele. Não eram coisas muito extravagantes, só pra cantar os parabéns: fez um bolo, comprou alguns salgados, ia ser na casa dela mesmo” , disse, em entrevista ao DCM.

Ela, que estava voltando de viagem quando soube do assassinato do sobrinho, sequer conseguiu parabenizá-lo:

“Eu chorei muito, eu gritava dentro do carro. Não pude fazer nada, estava longe da família aqui”, lamenta.

O festejo deu lugar a revolta para os moradores do Parque Bristol, que homenagearam o jovem cantando os parabéns num protesto:

https://twitter.com/pontejornalismo/status/1292941195837145090?s=20

Segundo Vania, os protestos ajudaram a confortar a família:

“Os amigos que ele tinha se reuniram para prestar uma homenagem e foi feita uma oração. A família se sentiu muito menos triste por saber que ele tinha tantos amigos e todos estavam ali”.

“Era um bom menino”, diz a tia.

Com 19 anos, Rogério cresceu sem o pai, que morreu vítima de câncer com 26 anos quando o filho tinha somente dois meses.

“A mãe criou Rogério e a irmã dele sozinha. O que fez o enterro do filho ser ainda mais doloroso”, conta Vania.

Tendo estudado até a 7ª série, o jovem trabalhava junto do primo numa transportadora.

Um vídeo obtido pela Ponte mostra o jovem num dia de trabalho:

Ela conta que a dor da família no momento é imenso:

“Meu sobrinho era um bom menino, um rapaz trabalhador. A família amava muito ele e agora ele está num lugar especial”, completa Vania.

“A família está em busca de Justiça”

Segundo a PM, durante a patrulha, deram sinal de parada para o jovem que teria tentado fugir. Mas o próprio vídeo do assassinato desmente a versão:

Ainda segundo a polícia, a moto que dirigia seria “fruto de roubo”. No entanto, o dono do veículo é um amigo de Rogério que prestou depoimento à PM e disse à Ponte:

“Emprestei minha moto e fiquei com o carro dele”.

A informação foi confirmada pela tia de Rogério, Vania Ourives, que afirmou que o dono do veículo já foi cunhado do sobrinho.

Houve ainda uma hipótese de que o jovem teria feito o gesto de sacar uma arma.

Além de não existirem provas da existência dela, a tia de Rogério ainda considera a possibilidade completamente descabida:

“O Rogério era um menino medroso. Ele tinha medo. Jamais portou uma arma de fogo na vida dele. Jamais. Jamais”.

Ela conta que a família não deixará o assassinato do sobrinho passar impunemente e reúne provas para que os culpados sofram as consequências:

“A família está em busca de Justiça. Baseado no que aconteceu, nas testemunhas e nos vídeos com a abordagem dos policiais”. 

O secretário de Segurança Pública de São Paulo elogiou os policiais que mataram Rogério e disse que são “excelentes policiais, cumpridores de todas as normas e todas as regras”.

Mas enquanto a polícia de Doria é aplaudida pelo genocídio negro, uma família sofre e chora pela perda de mais uma vítima do Estado.

“Ainda estamos muito machucados. Todos nós da família estamos muito abalados, a mãe dele está sofrendo muito. Ela ainda chora muito, chama muito pelo filho… É dor de mãe, né?”, conta Vania.

“Os indícios são claros de execução”, afirma Ariel Castro Alves, que é advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos) e membro do Grupo Tortura Nunca Mais.

Ele diz que o único fato que justificaria a abordagem seria a falta de capacete:

“Mas abordagem não pode ser sinônimo de execução. A vítima não esboçou nenhuma reação e mesmo assim foi alvejado pelo PM. Ele atirou antes para verificar depois”.

Segundo um levantamento do G1, a Polícia Militar matou 371 pessoas no estado de São Paulo só entre janeiro e abril de 2020.

No ano passado (2019), a polícia de São Paulo matou 867 pessoas: 99% pobres e 65% jovens negros, segundo dados da Ouvidoria de Polícia.

Para Ariel, no caso de Rogério, “os PMs deveriam ter sido presos em flagrante por homicídio, mas a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Civil e a PM estão acobertando: o corporativismo prevalece nas investigações sobre os abusos policiais, já que são realizadas pelos próprios colegas dos agressores”.

Segundo Vania Ourives, apesar da abordagem fatal, essa não foi a única vez em que o jovem sofreu com a truculência da polícia:

“Ele já tinha sido abordado outras vezes aqui pela polícia, na rua mesmo, e tinha muito medo. A gente conversava e ele dizia: ‘Nossa, tia, eu fico morrendo medo quando os policiais abordam a gente… Eles são tão bruscos’”.

A região do Ipiranga, onde fica o Parque Bristol, tem outros registros de violência policial.

No início de abril, no Jardim São Savério, Igor Rocha Ramos, 16, foi morto com um tiro na nuca pela PM.

Em 2019, no próprio Parque Bristol, policiais foram flagrados vandalizando um carro após baile funk.

Ambas as ocorrências são na área de cobertura do 46º batalhão da PM.

Segundo Ariel Castro, “os PMs com antecedentes na corregedoria, justiça militar e justiça criminal comum, costumam ser colocados nos batalhões que atuam nas periferias. Enquanto os que atendem áreas centrais e nobres são colocados os PMs mais estudados e sem antecedentes”.

Ele acompanha casos de violência policial desde 1997 e critica o incentivo dado pelos discursos de Doria, Bolsonaro e o ex-ministro Moro.

Segundo ele, os PMs agem como se o excludente de ilicitude estivesse em prática:

“Desde a Ditadura, os policiais não se sentiam tão encorajados para o cometimento de abusos”.

“Os celulares viraram as únicas armas das comunidades contra a crescente violência policial. Curioso é que a população tenha que se proteger de membros da instituição que existe com a finalidade de proteger a própria população e a sociedade”, completa.