Ronaldinho Gaúcho, Gentili, um acusado de quadrilha…: como Hang mantém o mito do “Véio da Havan”. Por Renan Antunes

Atualizado em 16 de março de 2020 às 8:05

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Esta reportagem é fruto de crowdfunding do DCM. As demais da série estão aqui

O Véio da Havan é um personagem de marketing criado por Luciano Hang depois da queda de Dilma (31 de agosto de 2016).

Ele incubou o Véio e o apresentou pelo Facebook em novembro de 2017, expandindo para o Instagram em fevereiro do ano eleitoral de 2018.

A operação que deu vida ao Véio era ele mesmo nas redes. Depois, evoluiu para a telinha, com uma penca de familiares, amigos e outros, todos espalhando as virtudes do empresário e insistindo no slogan de “lojas mais amadas do Brasil”.

Raul Gil fez uma sessão paga com Luciano no modelito global do “arquivo confidencial”.

Apresentou ali um senhor chamado José Luiz Paza, amigo e funcionário há décadas, tirando o chapéu pra Luciano por sua “honestidade”.

Paza é um dos 14 membros da suposta quadrilha processada pelo Ministério Público Federal em 1999, por crimes que prescreveram no TRF-4 depois de 16 anos.

O antigo funcionário Paza, citado no processo de “megafraude” de que a Havan é acusada

Outro enrolado com a Justiça que ajudou na construção do Véio foi Ronaldinho Gaúcho.

Contratado por 200 mil dólares para passar um dia na cidade, em 2018, jogou duas partidas, uma no campo e outra na Arena Brusque – no fim, Ronaldinho tocou o sino da felicidade da Havan, na companhia do Véio.

Qual foi o motivo da criação do personagem “Véio” da Havan?

Quando foi que Luciano, dono de uma fortuna estimada pela revista Forbes em 2,2 bilhões de dólares, resolveu dar a guinada no comportamento antes reservado, virando um Véio malucão?

Os feitos dele são espalhados pelo seu departamento de marketing e pela mídia que ele sustenta. Cada vez ele diz uma coisa e cada coisa é diferente da outra coisa.

O pessoal contratado aumenta um ponto cada vez que conta. O Véio já existia em 2018 quando ele deu uma entrevista para Danilo Gentili no SBT.

O apresentador deu um pulo do Luciano vendedor de quinquilharias chinesas direto para o político. Queria saber quando ele “se candidataria a presidente”? Danilo perguntou e respondeu ele mesmo “acho que vai ganhar”.

Mas o Véio desapontou o entrevistador ao revelar sua visão política: “Não, até os 75 quero ter 500 lojas (hoje são 147), quero investir, ganhar mais e mais dinheiro”.

Na versão do Véio, ele só queria esclarecer quem era o verdadeiro dono da rede Havan.

Segundo Luciano contou em várias entrevistas, ele ouviu dúvidas de pessoas em suas lojas de quem seria o dono: “Os nomes variavam. De Sílvio Santos a Lula, aos filhos de Lula, Dilma e a filha dela”.

Ali ele começou a exibir sua nova cara. Com seu lado exibicionista exacerbado, foi se soltando aos poucos – claro que deslanchou sua fúria sobre o PT, não sobre Sílvio, também “suspeito” de ser o dono.

Foi quando Luciano começou a se vestir de personagens exóticos – na campanha de 2018 adotou definitivamente o verde amarelo das milícias bolsonarianas e foi crescendo.

Ele achou que estava agradando a todos, mas falava para a turma do ódio.

A consolidação do papel de Véio foi feita através de expoentes como Ratinho, Celso Portiolli, Raul Gil, Danilo Gentili – todos, sem exceção, agregados à causa através de vários contratos de publicidade.

Luciano Hang é só sorrisos na frente das câmeras.

O personagem Véio é conhecido pelo mau humor. Se recebe uma pessoa em pé, é bom ela falar logo e sair de fininho, conta uma secretária do centro administrativo: “Quando ele está representando, não quer ninguém para dividir o palco”.

Um funcionário contou ao DCM que comprou duas cadeiras para seu setor, alegando que as velhas estavam quebradas e poderiam derrubar alguma cliente grávida.

Luciano foi até as cadeiras com um rolo de fita durex, enfaixou uma delas. Aí pegou um pedaço grande de fita, dirigiu-se ao funcionário e, de surpresa, colou sua boca, de orelha a orelha, dizendo: “Se você não me trouxer solução, não me traga mais problemas”.

O Véio construiu para si uma imagem de dinamismo, audácia, pra frente, mesmo metido no terno verde amarelo horroroso – em nenhuma de suas falas usa a palavra “honestidade”.

Diz que tem 4 milhões de seguidores no YouTube, mas vamos deixar por menos. Bem menos. Inscritos, só tem 51 mil.

Num vídeo, diz que este ano falou com 100 milhões de pessoas pelas redes sociais. Afirma que há 30 mil pessoas na fila de cada loja que vai abrir, onde oferece apenas 200 vagas – números ao vento para engrandecer a si mesmo.

No quesito impostos diz que sua empresa recolheu 3 bilhões em 2019. Às vezes, diz 2 bilhões, como se 1 bilhão fosse dinheiro trocado.

O Véio costuma se promover nas redes com vídeos de suas falas motivacionais. Lá ele está sempre esfuziante. É um Mick Jagger, dando saltinhos, distribuindo abraços e beijos. Oferece a seus “colaboradores”, não diz empregados, “um vidão” – o que seria o emprego na Havan.

Há quem se queixe porque estes vídeos muitas vezes são gravados entre 6 e 9 da manhã, antes das lojas abrirem: “A gente é obrigada a comparecer”, diz uma brava balconista.

Este perfil de showman não existia enquanto o pai estava vivo, até 2010. Luciano passou por uma profunda depressão depois da morte do seu Lula. Perdeu peso, ficou meses macambúzio”, conta um amigo de uma cunhada que convivia com ele.

O Luciano que emergiu da depressão começou a se transformar, assumindo uns trejeitos que o pai tinha. Um empregado das antigas conta que ideia de ter um sino em cada Havan para que os empregados toquem o badalo quando se sentirem felizes foi uma sugestão do pai – que gostava de ouvir o sino da igreja matriz.

O Véio da Havan se consolidou no papel durante a última campanha eleitoral, quando abriu o apoio a Bolsonaro.

O empresário gostou do figurino e passou a se fantasiar.  Gari. Frentista, Gaudério. Papai Noel de azul. Soldado, Robin Hood.

Umas das que mais emplacou foi a de Dilma, mas ao contrário da lenda, só foi lançada no final de 2019, depois do primeiro ano de Bolsonaro, só pra dar uma puxada nele.

Adora ser chamado de Véio da Havan – e sorri quando se descreve como sendo “feio, orelhudo e careca”.

Ele também aproveita o lançamento de cada nova loja para fazer um discurso contra o PT e contra os presidentes Lula e Dilma. Isto não só antes das eleições de 2018. Depois também.

Agora, fala para eleger prefeitos de direita em cidades onde opera: quer acabar com sindicatos, regulamentação trabalhista e pagamento de horas extras.

Como ele gerencia este mamute ? Tem quase quinhentos gerentes. Já comprou cinco aeronaves. São dois helicópteros e três aviões, o último um jato executivo Bombardier de 250 milhões de reais.

Na inauguração das lojas, ele apresenta os filhos Lucas e Leonardo, com o último mais tímido, mas dando discurso igual ao do pai: “Otimismo, a Havan vai proporcionar um vidão para vocês”!

O papo de “vidão” para seus colaboradores é puro marketing. O pessoal ganha salário mínimo, jornadas cansativas em alta rotatividade – o mercado de Brusque contratou 25 mil pessoas em 2019, mas demitiu 23 mil. Sobrou pouco. Muitos dos que saíram era havanianos.

O Véio tem seu público cativo. Ele parece um pregador quando está com um microfone na mão, como durante a inauguração da loja 132, na frente de centenas de empregados: “Para nós, o céu não existe, nem o céu é o limite”!

Os filhos ficam atrás quietinhos, enquanto uma funcionária exibe a foto de um elefante sentado no galho de uma árvore. O Véio diz: “Se o elefante pode subir, você também”.

No palco abaixo dele, com as empregadas mais jovens e bonitas na frente, muitas  erguem as mãos e balançam os dedos, como nos programas de auditório.

Ele levou algumas às lágrimas com um texto motivacional: “Quem disse que não precisa de dinheiro para ser feliz? Só diz isto quem já é infeliz, quem é feliz e tem dinheiro é mais feliz ainda!!!”

Ai, se queixa do pai: “Quando eu era pequeno meu pai me chamava de Dumbo porque eu era feio, careca e orelhudo”. Logo reage: “Vocês precisam ter autoestima”!

Entra Roberto Carlos (uma gravação) agradecendo a Deus: “Obrigado Senhor, muito obrigado…” Os empregados entoam a música e dão alelulias ao final.

O Véio dá uma guinada para a política (esta foi com Bolsonaro já eleito, em setembro de 2019): “O pessoal da esquerda é incompetente e só progride numa empresa pública – foi quando usou a palavra chave de Bolsonaro, “é ideológico”.

Ele ordena que alguém toque o sino e se ouve umas tímidas badaladas.

Os filhos tomam a palavra, Lucas bate na tecla do amor à loja. Diz que deve ser assim porque “vocês vão passar mais tempo aqui do que com suas próprias famílias”, daí a necessidade de amar a filial 132 da Havan”.

Sobe a música “We will rock you” e os empregados entram em frenesi.

Quando dá 9 horas a loja abre e todos correm para seus postos de venda, viver o “vidão” prometido pelo Véio.