PUBLICADO NA RBA
POR CIDA DE OLIVEIRA
Em meio ao desmatamento recorde na Amazônia, que Jair Bolsonaro (PSL) tenta ofuscar com seus ataques ao respeitado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que faz o monitoramento das florestas, os ruralistas se articulam em busca de dados que os absolvam de sua participação na alteração climática com a derrubada de florestas. E que ao mesmo tempo isentem o avanço de pastos e da monocultura. Uma espécie de propaganda para encobrir os efeitos nocivos da destruição ambiental sobre o clima.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), as florestas são aliadas no combate ao aquecimento global, absorvendo por ano cerca de 2 bilhões de toneladas de gás carbônico, um dos gases de efeito estufa. Mas quando desmatadas, transformam-se em motores do aquecimento global.
A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado já autorizou a realização de um seminário para reunir pesquisadores brasileiros e estrangeiros contrários à tese do impacto da ação humana, por meio do desmatamento, mineração e outras atividades agressoras. E por tabela, contra o Acordo de Paris, pacto entre os países para combater o aumento da temperatura do planeta.
Seminário
Proposto pelo agropecuarista e senador Marcio Bittar (MDB-AC), da bancada ruralista, o seminário é desdobramento de uma audiência pública realizada em 28 de maio, que contou com a participação do climatologista Luiz Carlos Molion, professor da Universidade Federal de Alagoas, de Évora (Portugal) e de Western Michigan (Estados Unidos). E o geógrafo Ricardo Felício, da Universidade de São Paulo (USP). Clique aqui para acessar as notas taquigráficas da audiência.
Molion afirma que a tese do aquecimento global é frágil e que serve mais a interesses geopolíticos e econômicos. Candidato do PSL paulista à Câmara em 2018, obtendo apenas 11.163 (0,05% dos válidos), Felício diz que o aquecimento é “uma farsa”.
Embora haja pesquisas sérias e respeitadas, segundo Bittar, pode existir manipulação e falsificação de dados e resultados com o intuito de legitimar uma “agenda ideológica desconectada da realidade”. O parlamentar defende um amplo debate sobre o tema e que o Ministério das Relações Exteriores explicite o atual quadro das discussões, no âmbito dos órgãos internacionais competentes.
Além dos dois nomes presentes à audiência pública, o requerimento do seminário traz ainda os do geólogo japonês Shigenori Maruyama, professor na Universidade Tecnológica de Tokyo e autor do livro Aquecimento Global?; do físico estadunidense Richard Lindzen, professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), que já admitiu receber dinheiro da indústria do petróleo para dar palestras, e ex-colaborador do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Devem participar também o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, muito próximo dos ruralistas e distante dos direitos dos indígenas, e o ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno. O general também acredita que os dados do desmatamento são “manipulados“.
Coalizão
Ainda sem data definida, o seminário que segundo o Senado vai ser realizado neste semestre terá uma forte concorrência: A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vão reunir no mesmo período diversos especialistas no tema.
“A ideia é discutir, entre outras questões, para onde o país está indo do ponto de vista das mudanças climáticas e quais podem ser as consequências para a nossa sociedade. Mas fazer uma discussão realmente decente com cientistas. O formato do evento da ABC e da SBPC ainda não foi definido, mas será algo como um evento paralelo, para fazer o contraponto”, disse à RBA o físico Paulo Artaxo. Professor do Instituto de Física (IF) da USP e membro permanente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ele tem se dedicado ao estudo da política ambiental e das mudanças climáticas.
Artaxo integra ainda a Coalizão Ciência e Sociedade. Trata-se de um movimento que une cientistas de todos os setores e de várias partes do país frente aos ataques desferidos pelo governo de Jair Bolsonaro contra a pesquisa, a ciência, a educação e a eles próprios. A estratégia é contrapor posicionamentos, leis e medidas socioambientais sem fundamentação científica que tem sido adotadas de janeiro para cá. Na prática, um observatório.
Para o cientista, a pressão social é importante para conter retrocessos impostos pelo governo, especialmente na questão ambiental. No entanto, como Bolsonaro se mostra mais sensível aos interesses dos ruralistas do que da sociedade como um todo, é daí que devem vir mudanças de postura.“Quando o agronegócio começar a perceber que está sendo prejudicado pela própria degradação ambiental, e começar a fazer pressão, é que teremos mudança de mentalidade. A pressão do agronegócio será mais bem sucedida”.