Por Clara Assunção
Profissionais do Direito e ativistas comemoraram, nesta quinta-feira (22), a nomeação do professor, advogado e filósofo Silvio Luiz de Almeida como ministro dos Direitos Humanos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um dos grandes pensadores sobre a questão racial do Brasil, Silvio Almeida é autor de livros como Racismo Estrutural (Editora Jandaíra, 2019) e tem uma longa trajetória nos estudos sobre como as relações raciais estão interligadas na organização econômica, social e política de um país.
Presidente do Instituto Luiz Gama e pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Silvio de Almeida foi confirmado para o terceiro governo de Lula em cerimônia no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, pelo próprio presidente eleito.
Paulista, Silvio Almeida tem 46 anos e integrava a coordenação do grupo de trabalho na equipe de transição que debateu o tema de direitos humanos. A partir de 1º de janeiro, assume uma das áreas mais atacadas pelo atual governo de Jair Bolsonaro (PL). E que teve à frente a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves. Fora do cargo desde março, quando deixou a pasta para se candidatar ao Senado pelo Distrito Federal, Damares foi lembrada hoje por especialistas, por causa da negligência diante das populações vulnerabilizadas e das graves violações de direitos humanos ao longo de sua gestão.
‘Enormidade da mudança’
“Sai Damares Alves. Entra Silvio Almeida. Acho que ainda não conseguimos nem digerir a enormidade da mudança que isso representa”, tuitou a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tatiana Roque. “Que tal essa troca, minha gente? Silvio Almeida no lugar onde antes estava Damares. Que luxo para nós!”, comemorou nas redes o advogado Márlon Reis, ex-juiz de direito e um dos criadores da Lei da Ficha Limpa.
“Salto civilizatório”, acrescentou o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). “Não é que apenas ‘antes era Damares, agora é Silvio Almeida’. É mais potente que isso. Antes era Damares, agora são Silvio Almeida, Anielle Franco e Cida Gonçalves. Voltamos a ter pelo menos três ministérios para lidar com direitos humanos e desigualdades de gênero e raça. Isso é reparação”, destacou a socióloga e antropóloga pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Marília Moschkovich.
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Colega de profissão, o advogado Ariel de Castro Alves também saudou a nomeação. “Excelente escolha”, disse o coordenador da área de direitos da criança e do adolescente na equipe de transição e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
Ataques aos DHs marcaram os últimos 4 anos
Silvio Almeida assume daqui a menos de duas semanas a função com o desafio de contornar o “revisionismo do significado histórico e civilizatório dos direitos humanos”, de restituir a participação social e garantir uma execução orçamentária adequada para a área.
O relatório final da área de transição denuncia que, entre 2019 a 2022, o MMFDH teve seu uso deturpado de estruturas e recursos públicos. Celebrou parcerias com entidades estranhas à agenda do ministério e comandou o desmonte de políticas públicas de enfrentamento a violações de direitos humanos.
O documento cita como exemplo a condução do Disque 100 – canal nacional para denúncias e proteção. Houve uma fragilização pela “péssima gestão contratual”. E ainda um “aparelhamento” pelo governo Bolsonaro para “assediar a educadores e a estabelecimentos comerciais que exigiam certificado vacinal contra covid-19, atendendo denúncias de sujeitos identificados com a chamada “escola sem partido” e com o negacionismo da crise sanitária recente”, detalha o grupo.
Sem verba e políticas públicas
“Toda a rede de proteção, antes acionada para dar resposta a denúncias de violações, foi desarticulada. Os dados do Disque 100, que são fonte de informações para o desenvolvimento de políticas públicas, deixaram de ser divulgados”, diz outro trecho do documento.
Ainda de acordo com o relatório, na pasta dos Direitos Humanos foram desarticulados ao menos 14 colegiados com participação social efetiva. Sendo que 12 foram alterados “com objetivo de precarizar ou desconfigurar a participação da sociedade”. O orçamento dedicado às políticas de direitos humanos também reforçam o “cenário de desprezo pelo setor” por parte da gestão Bolsonarista. O grupo técnico identificou que a despesa discricionária em 2022 chegou ao valor de R$ 238 milhões. Aproximadamente um terço da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015.
Os cortes ainda foram seguidos por uma baixa execução. Até o início de dezembro, apenas 40% do orçamento da área havia sido empenhado e apenas 21% efetivamente executados. O cenário financeiro previsto para o próximo ano pelo futuro ex-presidente ainda “replica o estado de penúria do orçamento, elevando o desmonte das políticas da área a um patamar crítico”, menciona o relatório.
Desafio de reconstrução
“Essas três principais dimensões do desmonte – o revisionismo do significado histórico dos direitos humanos, as restrições à participação social e a precarização orçamentária –, culminaram na descontinuidade de políticas públicas importantes para a promoção e defesa de direitos humanos. É o caso do “Plano Viver Sem Limite” e das políticas para a população LGBTQIA+ e para a população em situação de rua”, conclui o documento.
Apesar dos desafios listados, Silvio Almeida afirmou em suas redes que assume “com imensa honra e responsabilidade a tarefa que me foi atribuída pelo presidente Lula de servir ao meu país como Ministro dos Direitos Humanos. Teremos um enorme trabalho pela frente, mas carrego a esperança de que será possível trazer dignidade ao povo brasileiro”, reconheceu o professor, advogado e filósofo.
Publicado originalmente em Rede Brasil Atual