“Saí daqui com 38 kg”, diz sobrevivente da ditadura que Bolsonaro afirma não ter existido. Por Mauro Donato

Atualizado em 30 de março de 2019 às 18:21
Lenira Machado

A socióloga Lenira Machado passou quarenta dias sendo torturada nas dependências do DOI-Codi. Por sua sanidade mental prefere não falar das sequelas físicas que possui em decorrência das sessões brutais a que foi submetida.

Alguns aspectos sumiram de sua memória involuntariamente. Ela não se lembra, por exemplo, do que era lhe servido para comer, quais ingredientes haviam nas marmitas que, no entanto, ela recorda serem pagas por empresários apoiadores do golpe militar.

Naquele que já foi o maior centro de tortura do país (e que ainda hoje é uma delegacia de polícia), um ato em memória dos mortos, dos desaparecidos e dos sobreviventes do período mais macabro da história recente do país foi celebrado na manhã deste sábado.

Era o encerramento de uma semana em que Jair Bolsonaro praticou mais uma vez seus esforços de insulto à verdade, à história, de afronta aos direitos humanos.

Além de não deixar que terraplanistas de todos os gêneros tentem distorcer a história com seus delírios irresponsáveis, a manifestação puxada pelo Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política também pretende que aquela antiga sucursal do inferno seja transformada num memorial.

Ato DOI-Codi

Lenira Machado conversou com o DCM quase embaixo da janela da cela onde esteve presa.

Por que foi trazida para cá?

“Eu era uma militante revolucionária, contra a ditadura e vivia na clandestinidade.”

Como a senhora se sente ao ver, décadas depois, um governo fazer apologia a torturadores e negando a história?

“No Brasil a gente vive interregnos democráticos. Saímos do Estado Novo e tivemos uma democracia. Então caímos em 1964 numa nova ditadura. Saímos daquele período e tivemos um outro interregno democrático. E agora aqui estamos nós outra vez …”

Por que isso acontece?

“Eu acredito que as classes dominantes só conseguem pensar na nossa extinção. Acho que a ida de Bolsonaro para o Chile faz parte da construção de uma nova operação Condor na América Latina.”

Não é um exagero essa afirmação?

“Olha para o governo do Chile, olha para o governo da Argentina, olha para o Brasil. São todos de uma direita radical, desumana, que representa muito bem o capitalismo internacional.”

Acredita então que é um movimento coordenado?

“Acho sim. O empresariado colaborou naquela época e está colaborando agora…”

A senhora diz que eram empresários que enviavam as marmitas para cá. Qual era o conteúdo?

“Tenho um lapso na memória em relação a isso. Só sei que era o mínimo suficiente para não morrer, para sobreviver e aguentar mais um tempo apanhando. Queriam tentar fazer-nos dobrar. Eu saí daqui com 38 quilos. Era um inferno.”

Pelos dados oficiais, só aqui foram assassinadas 52 pessoas.

“(Faz uma pausa) Eu consegui superar o que eles achavam que eu não iria superar. Estou viva, inteira e lutando.”

Neste domingo um outro ato será realizado no parque do Ibirapuera, além de uma manifestação na avenida Paulista.

O governo Bolsonaro ofende a inteligência de qualquer ser humano com suas declarações que se configuram em lesa-humanidade.

Foram pelo menos 423 mortos ou ‘desaparecidos’ entre 1964 e 1985. Que resposta ele tem para isso? Abdução?

Ato DOI-Codi