Por Leonardo Sakamoto
Originalmente publicado no UOL
O longo apagão enfrentado por regiões da capital paulista, desde sexta (11), iluminou o debate sobre a razão de privatizar ou reestatizar uma empresa de serviços essenciais. Como a Eletropaulo, hoje Enel. Ou a Sabesp. Ou ainda a linha 9-Esmeralda de trens.
“O que aconteceu com a Enel, pode ter certeza, não vai acontecer com a Sabesp”, disse o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas nesta terça (15). E culpou a Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor, por inação. A diretoria da empresa, ironicamente, foi indicada durante a gestão Bolsonaro, do qual ele fazia parte.
Não sou, por princípio, inimigo de privatizações, mas se a venda ou concessão de uma empresa pública não garante que ela ofereça um serviço muito melhor em sua versão privada, então para que vender?
Tendo em vista o que aconteceu em Berlim, Paris e outras centenas cidades, principalmente na Europa, onde o poder público voltou a gerir os sistemas de água e esgoto, nas últimas duas décadas, por causa de aumentos sistemáticos no valor da conta e investimentos insuficientes pela iniciativa privada, deveríamos garantir uma “cláusula de segurança”.
Caso o valor da tarifa suba bem acima da inflação ou a Equatorial, empresa que assumiu a Sabesp, não fizer os investimentos necessários na manutenção do sistema, repetindo o comportamento da Enel com a energia elétrica em São Paulo, os 62 deputados estaduais que votaram a favor do projeto, mais o governador paulista e seus secretários, deveriam se comprometer a ceder seu patrimônio pessoal para amortizar o prejuízo da população.
Se acreditam tanto assim na privatização, poderiam ser uma espécie de “fiadores” da proposta. Porque a população está cansada de venda e concessão de patrimônio público que não melhoram a vida, apenas servem para enriquecer políticos e empresários.
O que vários países estão descobrindo, depois de passar por largos processos de privatização, é que efetivar o direito à água ou à luz passa por investimentos constantes ou mesmo a fundo perdido. O que significa que podem não gerar retornos atraentes. O serviço da Sabesp está longe de ser perfeito, mas se hoje ele falha, com a periferia passando parte da semana sem água, imagine quando migrar para uma lógica guiada principalmente pela necessidade de dar lucro a qualquer custo.
O governo de São Paulo rebateu isso, afirmando que vai usar a grana da própria venda para reduzir o valor das tarifas dos mais vulneráveis. Mas queimar o total arrecadado com a privatização tem um limite. E quando o dinheiro acabar, faz como? Também diz que outra parte da venda será usada na universalização do sistema. Bem, primeiro isso já deveria ocorrer na capital até 2029, mesmo sem a venda da Sabesp. Já para o restante do Estado, esperava-se que isso viesse do investimento do comprador, não do caixa público. Se não, estamos vendendo algo com risco zero?
Uma das propostas dos críticos ao modelo de privatizações dos sistemas de água e esgoto é impor que a empresa que assumir os serviços em só possa começar a distribuir dividendos a seus acionistas depois que universalizar a cobertura de água e esgoto em toda sua área de responsabilidade.
Privatização da distribuição de energia em SP deu chabu
As concessionárias de energia, como a Enel, foram entregues à iniciativa privada, mas isso não melhorou o serviço. Não é a única culpada pelo caos, claro, lembrando que a Prefeitura também é corresponsável pela poda de árvores, que tombam e desligam a rede elétrica. Mas a empresa já mostrou que não tem mais condições de operar em São Paulo.
Lá atrás, quando a Eletropaulo foi a leilão, em abril de 1998, alguns dos que defendiam a privatização prometeram que a venda levaria a uma cidade mais bonita e funcional: da universalização da rede de distribuição ao processo de enterramento dos cabos. O que diminuiria os cortes de energia em intempéries.
Como o processo de enterrar cabos elétricos não cabe na taxa de retorno das empresas que assumiram, primeiro a AES, depois a Enel, os resultados sempre foram pífios nesse campo.
Ao mesmo tempo, a agência reguladora do setor, a Aneel, não cobra avanços concretos. Aliás, não fiscaliza nem a insuficiente manutenção preventiva aplicada pela Enel na rede existente, que dirá ir além.
O modelo atual do setor de distribuição de energia elétrica garante melhor remuneração à empresa por investimentos que ela fizer em ativos em contraposição àqueles em manutenção preventiva. Assim, ao invés de trocar cruzetas podres e fazer podas de árvores em locais que costumam ter falhas, empresas preferem instalar religadores automáticos.
O equipamento isola defeitos impedindo que ele afete o resto da rede e permitindo que uma turma vá lá consertar. Assim, a empresa não gasta em fazer manutenção preventiva em toda a malha, mas apenas a corretiva nos pontos atingidos. Isso pode funcionar em dias normais. Mas quando acontece um evento climático como o de sexta, defeitos ocorrem em muitos pontos da rede simultaneamente devido ao quê? Falta de manutenção preventiva.
Ao mesmo tempo, as privatizadas do setor de distribuição de energia reduziram o quadro de funcionários e abusaram da terceirização. Isso gerou grande rotatividade, perda de memória técnica e funcionários sem experiência.
Se a qualidade de vida dos cidadãos for, de fato, cobrada das empresas no momento de renovação da concessão, algumas podem vir a achar que deixou de ser economicamente vantajoso e abrir mão do controle. Mas não adianta tirar a Enel e entregar para outra se as regras que ela terá que cumprir e a fiscalização quase inexistente continuarem na mesma.
O “eu garanto” do governador paulista não basta para que a Sabesp não seja a Enel de amanhã. E dado o sequestro das agências reguladores pelas empresas fica difícil apostar em uma mítica fiscalização eficiente.
Linha 9-Esmeralda, uma bomba sobre trilhos
Por fim, vale lembrar que serviços essenciais não são apenas água e luz. Uma das maiores bombas que os paulistanos são obrigados a suportar é a linha de trem 9-Esmeralda, administrada pela Via Mobilidade. O último boletim de ocorrência envolvendo a empresa foi um incêndio em um vagão que provocou pânico entre os usuário na noite desta segunda (14).
Quem precisa da 9-Esmeralda convive com quebras, descarrilamentos e trombadas frequentes. É uma fonte de dor cabeça desde que foi privatizada, uma roleta russa para quem a usa diariamente. Às vezes, funciona, às vezes, você vai ficar em uma fila gigantesca para pegar um ônibus da operação Paese e chegar atrasado no trabalho, com desconto no ponto e tudo.
Em outubro do ano passado, durante a greve contra a privatização do Metro, da CPTM e da Sabesp, Tarcísio de Freitas exaltou o serviço privatizado, que, segundo ele, continuou funcionando quando os funcionários públicos cruzaram os braços. Logo depois, o tal serviço parou por conta própria, após parte do sistema ter uma falha elétrica. E, ironicamente, mesmo quando a greve de 24 horas já havia acabado, a linha 9 seguia com longas filas, atrasos e ranger de dentes.
Como já disse aqui, para os usuários, não importa se o pau ocorreu por falta de manutenção e de investimento, sobrecarga, vandalismo, sabotagem ou devido ao ET Bilú ter descido aos trilhos em busca de conhecimento. Os cidadãos querem que a concessionária esteja preparada para resolver problemas rapidamente. O que, claramente, a Via Mobilidade não está.
A partir da incompetência de privatizadas e das agências reguladoras, de políticos e empresários, precisamos rediscutir quando a privatização é válida e quando não é. Debate que precisa ser feito com calma, mesmo se a Faria Lima surtar no meio do caminho.
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