Por Leonardo Sakamoto, publicado em sua coluna no UOL
O governo de São Paulo enfraqueceu a política de câmeras corporais nas fardas de policiais, permitindo que eles mesmos acionem o equipamento ao invés de gravação contínua. Ao mesmo tempo, as polícias Militar e Civil mataram 441 pessoas entre janeiro e agosto deste ano, um aumento de 78% em comparação as 247 do mesmo período no ano passado. Se considerarmos apenas negros, o crescimento da letalidade foi de 83%. É apenas coincidência, afirmaram à coluna o Papai Noel, o Coelho da Páscoa e, claro, o Homem do Saco.
É o que acontece quando um governo que prioriza a letalidade a serviços de inteligência policial afrouxa sua própria fiscalização.
Antes, na gestão João Doria, os aparelhos podiam ser desligados apenas para alimentação, banheiro e necessidades pessoais de policiais. Isso ajudou a reduzir os índices de letalidade policial nos batalhões onde foram largamente implementadas. Agora, o acionamento é intencional, com o policial ou a sua central decidindo o momento.
O segredo do sucesso das câmeras é ficarem ligadas o tempo inteiro para verificarem o comportamento tanto dos policiais quanto das pessoas que vão ser abordadas. Sim, ela não serve apenas para evitar sacanagens cometidas por maus policiais, também serve para proteger os bons policiais das sacanagens cometidas contra eles, de armações ou violência.
A mudança nas regras pelo governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite acabou sendo chancelada pelas regras recuadas emitidas pelo Ministério da Justiça de Lula. A pasta fixou diretrizes, com 16 situações em que os equipamentos devem ser usados. A questão é que a gestão de Ricardo Lewandowski, após debater internamente duas opções de protocolo, escolheu a menos restritiva, que não garante a gravação ininterrupta.
O governo de São Paulo anunciou assinou, no dia 18 de setembro, contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil câmeras corporais para a PM. O modelo previsto não realiza gravação ininterrupta.
Há também um receio que as novas câmeras não sejam alocadas em batalhões da PM, priorizando aqueles com altos índices de letalidade, mas em áreas como os canis e as academias de formação. O que também anula a função dos equipamentos.
Tudo isso fora o mau uso das câmeras e a má vontade do próprio governo. É gravíssimo que as imagens das câmeras corporais de PMs envolvidos na Chacina do Guarujá, no ano passado, entregues ao Ministério Público mostrassem os confrontos com criminosos em apenas três dos 16 casos iniciais que terminaram em morte. Isso aumenta a suspeita de que a Operação Escudo foi, na verdade, planejada como uma Operação Vingança.
Pelo menos oito imagens de confrontos deveriam aparecer porque é o número de mortes que envolvem agentes da Rota, batalhão que conta com câmeras em todos os uniformes. Mas foram entregues vídeos de seis ocorrências, dos quais três não mostram nada de útil.
Há policiais acusados de atrapalhar a captação de imagens de câmeras com fuzis e bandoleiras ou forjar diálogos para que o áudio crie falsas linhas de investigação. Isso, além de criminoso, demonstraria que uma parcela de agentes mal-intencionados já sabem como reduzir a eficácia da política das câmeras.
Sem a proteção das câmeras de policiais, a população recorre às câmeras de seus próprios celulares para garantir o registro de situações de abuso. Por exemplo, em maio de 2023, viralizou nas redes sociais o vídeo de Vilma de Oliveira, de 70 anos, levando um soco no rosto de um policial militar ao tentar proteger seu filho, já rendido, que estava sendo asfixiado por outro PM, na zona rural de Igaratá (SP). Após ser esmurrada e cair, ela se levantou e continuou tentando ajudar o rapaz.
Gravar e postar intervenções policiais violentas, identificando placas de viaturas e os rostos dos envolvidos, se tornou frequente. Porque a violência policial é alimentada com a certeza do “tudo pode”, passada por governos que não controlam ou pouco comandam suas polícias e por outros governantes que incentivam o excludente de ilicitude.
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