Sakamoto: Selva! Desvio de joias foi uma das maiores operações militares de Bolsonaro

Atualizado em 10 de julho de 2024 às 17:58
O ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Por Leonardo Sakamoto

“Selva!” A saudação militar usada quando alguém está ciente de algo foi postada por Bolsonaro quando seu então ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, lhe enviou o link de um leilão on-line nos Estados Unidos em que estavam sendo ofertadas joias doadas ao Brasil por governos árabes. Isso mostra que ele sabia do desvio de patrimônio nacional para o seu bolso, ao contrário do que disse inicialmente.

Bolsonaro mudou sua estratégia para explicar o caso a aliados. Se antes dizia que não sabia de nada, agora afirma que não cometeu crime algum e solta uma justificativa do tipo “e o PT?”, ao afirmar que Lula foi acusado da mesma coisa. Ignora que foi apenas em 2016 que o Tribunal de Contas da União (TCU) deixou claro que itens personalíssimos de luxo recebidos por mandatários devem ficar com o país.

O relatório da Polícia Federal entregue ao Supremo Tribunal Federal mostra que não apenas Jair sabia muito bem o que estava fazendo como entendia que era ilegal. Tanto que alguns dos produtos caríssimos entraram no Brasil como muamba, contrabandeado na mochila de militares.

Os relógios Rolex e Patek Philippe foram enviados aos Estados Unidos no avião presidencial. Foto: Reprodução

Jair é um ex-capitão do Exército, e o “selva!” na conversa nos lembra disso. Dos outros 11 indiciados nesse escândalo de desvio de bem público, lavagem de dinheiro e organização criminosa, nove vestem ou já vestiram farda. Jair prometeu levar os militares a um novo patamar com a sua chegada ao poder. E conseguiu: agora temos a quadrilha de militares que lava e surrupia joias.

Além de dois advogados, temos na lista de indiciados o ex-capitão Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, o general Mauro Lourena Cid, o almirante Bento Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Júnior, o capitão de corveta Marcelo Vieira, o coronel Marcelo Costa Câmara, o capitão-tenente Marcos André do Santos Soeiro e o primeiro-tenente Osmar Crivelatti. Júlio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal, também entra na lista porque é ex-oficial da Marinha e deixa isso claro em seu currículo.

É tanto militar junto atuando por uma única causa a mando da Presidência da República que podemos dizer, sem receio algum, que essa foi uma das maiores operações militares da gestão anterior. Teve até avião da Força Aérea envolvido.

Em um áudio bastante paradigmático disso, o coronel Marcelo Câmara explicou ao tenente-coronel Mauro Cid que o capitão de corveta Marcelo da Silva Vieira havia dito que era necessário aviso prévio para a venda de bens destinados ao acervo privado do capitão Jair Bolsonaro.

Cid aceita, mas indaga: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Câmara concorda e ironiza: “O problema é depois justificar e para onde foi. De eu informar para a Comissão da Verdade. Rapidamente, vai vazar”. Todo mundo sabia que havia uma sacanagem em curso. Nesse sentido, o grupo mudou o sentido de “selva” que também pode significar “dane-se”.

Wassef e Bolsonaro discutiram o posicionamento da defesa sobre kit de joias da Chopard. Foto: Reprodução

Como já disse aqui, o trambique da venda de joias surrupiadas não complica apenas a vida dos envolvidos, mas também mancha a imagem de setores das Forças Armadas – que estabeleceu uma relação para lá de promíscua com o governo anterior.

Forças Armadas são importantes para qualquer país, desde que saibam quem devem proteger. A sua potência está na capacidade de respeitar a Constituição Federal, não de obter benefícios em troca de ser usada para atender às necessidades de um governo de plantão.

Bolsonaro conseguiu cooptar parte dos militares com cargos, vantagens na Reforma da Previdência, licitações de produtos de luxo para o oficialato. Cobrou, em troca, sujeição para degradar a democracia e cumplicidade enquanto garantia o vale-tudo ambiental na Amazônia.

Seus membros se beneficiam de licitações de Viagra e próteses penianas, camarão e filé mignon, pensões especiais para filhas não casadas e acesso a hospitais especiais. Enquanto isso, coronéis articularam bizarras reuniões em que se negociou com reverendos, servidores públicos e políticos, sobrepreço e propinas para a compra de doses de vacina contra a covid-19. A CPI da Covid citou um rosário de coronéis, como Élcio Franco, Marcelo Blanco, Helcio Bruno…

A farra dos militares envolvidos no caso das joias mostra que as Forças Armadas precisam depurar suas fileiras sob o risco de não levantarem a imagem tão cedo. Nem com ajuda química.

Publicado originalmente no Uol

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